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Sexta-feira, 19 de julho de 2024

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‘Eu tive a sorte, ou o azar, de estar vivo’, diz Mário Bortolotto

Mário Bortolotto está vivo. Apesar de parecer uma informação banal, é uma afirmação muito importante em relação ao dramaturgo paranaense. Após levar três tiros durante uma tentativa de assalto no Espaço Parlapatões em São Paulo em dezembro de 2009, ele ficou entre a vida e a morte. Um dos tiros atingiu o coração do autor, que teve que passar por uma cirurgia de emergência e por procedimentos posteriores para tratar de outros ferimentos, incluindo em seu braço esquerdo, que ainda está preso a uma tipoia.



Depois de duas semanas na UTI e três semanas no total no hospital, Bortolotto não esperou muito para voltar a trabalhar. Escreveu uma peça, “Música para ninar dinossauros”, para a qual já está ensaiando e que deve estrear em março em Curitiba. Ao mesmo tempo, também ensaia como ator convidado em “Ecstasy”, montagem Mauro Baptista da peça de Mike Leigh, e concilia tudo com a fisioterapia que faz nos braços. “É uma correria danada”, confessa em entrevista por telefone ao G1 nesta sexta-feira (26).

Além dos compromissos cênicos, o autor é tema de um ciclo de debates no Itaú Cultural, em São Paulo, contando com a presença de amigos. O evento começou na quarta-feira (24), com o tema Teatro e a presença do crítico Jefferson Del Rios. Na quinta-feira (25) foi a vez de Quadrinhos e Literatura, com Marcelo Rubens Paiva, Jotabê Medeiros e André Kitagawa. Nesta sexta (26) o dramaturgo debateu com o cineasta Beto Brant e fez a primeira exibição de seu filme de estreia, a produção de baixo orçamento “Getsêmani”.

O ciclo ainda acontece neste sábado (27) e domingo (28), com entrada gratuita. Os temas são Poesia (com Ademir Assunção) e Música (com Paulo de Carvalho, da banda Velhas Virgens), respectivamente. Os dois dias contarão com a apresentação da banda de blues Saco de Ratos, liderada por Bortolotto. O Itaú Cultural fica na Avenida Paulista, 149, e os debates começam às 20h.

Confira abaixo trechos da entrevista de Mário Bortolotto.

G1 - Quando saiu a notícia do seu ciclo de debates, houve comentários dizendo que seria uma retrospectiva da sua carreira. Afinal o ciclo é mais um encontro de amigos ou realmente uma retrospectiva?

Mário Bortolotto - Para mim é um encontro só, não tem essa de retrospectiva não, se eu fosse fazer isso teria que ter um trabalho muito mais intenso e a gente teria que gastar muita mais tempo nisso, são 28 anos só de grupo de teatro. Armamos o ciclo em um mês, não dá para fazer uma retrospectiva em tão pouco tempo. Eu recebi o convite logo após sair do hospital. Chamei as pessoas e discutimos o que dava para fazer dentro do Itaú Cultural. A gente quis aproveitar para conversar, trocar ideia, falar não só do meu trabalho mas do trabalho de todo mundo, das pessoas que interessam a gente. Nesta quinta-feira (25) o Reinaldo Moraes estava lá, ele é um ídolo nosso, lendo trechos do livro “Tanto faz”, estava o Marcelo Rubens Paiva, a gente falou de literatura, de história em quadrinhos. Então na verdade é só um encontro de amigos.

G1 - Você escreve peças, livros, contos, mantém um blog, é diretor e ator, tem uma banda de blues, a Saco de Ratos. É natural para você transitar por tantos tipos de arte?

Bortolotto - A tudo muito natural, uma coisa puxa a outra. Eu sempre gostei de arte. As pessoas me falam, “ah, você é um dramaturgo”. Não, eu sou um cara que gosta de arte e que por acaso também faz dramaturgia. Na verdade a dramaturgia é algo que sempre tomou muito o meu tempo porque é algo que está dando certo, as pessoas comentam muito a minha dramaturgia. Tinha pouca dramaturgia na época que eu comecei a escrever aqui no Brasil, hoje tem bastante. Então tomou uma proporção maior no meu trabalho.

G1 - Como estão os preparativos para a sua nova peça, “Música para ninar dinossauros”?

Bortolotto - Estamos ensaiando diariamente, enquanto rola a semana de debates. A peça estreia no dia 18 de março, em Curitiba. Estou fazendo outra peça como ator convidado, do Mike Leigh, no Centro Cultural Banco do Brasil, se chama “Ecstasy”, com direção do Mauro Baptista. Então ensaio essa ao meio-dia, depois vou para o ensaio da “Música para ninar dinossauros”, pela manhã tenho fisioterapia, é um trabalho exaustivo mesmo. Agora tenho muito trabalho, tem um curta-metragem no começo de abril, do Gustavo Galvão, tem uma pá de livro que eu quero lançar. É uma correria danada, ainda mais nas condições físicas que eu estou.

G1 - Você falou em seu blog que está com dificuldades para digitar, como está a sua recuperação?

Bortolotto - Eu tenho que começar a fisioterapia em meu braço esquerdo, o doutor acabou de autorizar. Os meus dedos da mão esquerda estão comprometidos, eles não mexem direito, estão sem força, então eu não posso digitar com essa mão esquerda. E tem que contar com a recuperação da cirurgia mesmo, do coração, do pulmão, que dói muito ainda, é uma cirurgia recente, muito forte. Tem uma série de complicações sim.

G1 - De onde você está tirando vigor para trabalhar tanto mesmo ainda em convalescência?

Bortolotto - É vontade de trabalhar, eu gosto muito de fazer tudo isso. Nunca fui um cara de ficar parado, trabalho muito. Na verdade não é um trabalho que eu estava procurando fazer, esses trabalhos de agora eu estava comprometido desde o ano passado. Então na verdade eu estou cumprindo os meus compromissos, só isso. Pensei em cancelar algumas coisas mas aí acabou rolando, eu fui assumindo e fazendo. Como diz o meu amigo (o ator Paulo César) Peréio, “porque te mete, porra?” (risos).

G1 - Depois do assalto, muita gente passou a comentar, na imprensa ou em blogs, sobre a violência nas suas peças.Na quarta-feira (25), durante o debate, você respondeu uma pergunta sobre como o incidente afetou a escrita da sua nova peça, e você respondeu que “afetou, mas não no sentido de trazer a violência para o texto, mas em uma certa melancolia”. Qual é a sua reflexão sobre que aconteceu?

Bortolotto - As pessoas analisam muito superficialmente tudo. A violência existe, sempre existiu. No caso agora eu fui vítima, mas poderia ter acontecido com você, com qualquer outra pessoa. A gente está aí a risco todos os dias, na rua ou não. Não foi algo assim, “aconteceu comigo, agora vou mudar a minha vida”. Poderia ter acontecido com qualquer um. Eu tive a sorte, ou o azar, de ainda estar vivo, de ter sobrevivido, e já que eu estou vivo, vou continuar fazendo as minhas coisas, mas não vou mudar em nada o meu pensamento, agora virar santo, me converter. Acho que as pessoas falam demais, sobre tudo. “Ah, então porque você atrai a violência, porque seu blog se chama ‘Atire no dramaturgo’, porque atiraram em você”. Papinho furado.
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