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Quarta-feira, 26 de junho de 2024

Notícias | Mundo

Turquia determina em grande parte uma guerra de civilizaçõesThomas L. Friedman

Saio de Istambul com quatro perguntas feitas pelos turcos ecoando em minha cabeça. Esqueça as respostas, apenas essas perguntas lhe dirão tudo o que você precisa para entender a situação aqui. As quatro perguntas, que me foram feitas por diferentes jornalistas turcos, acadêmicos ou empresários, podem ser resumidas da seguinte forma:


Um: Você acha que estamos assistindo à morte do Ocidente e ao surgimento de novas forças mundiais no Oriente?

Dois: Tom, foi ótimo conversar com você nesta manhã, mas você se importaria de não mencionar meu nome? Temo que o governo faça retaliações a mim, ao meu jornal ou à minha empresa se você me citar.

Três: É verdade, como acredita o primeiro-ministro Erdogan, que Israel está por trás dos ataques do grupo terrorista PKK à Turquia?

Quatro: Você acha mesmo que Obama possa punir a Turquia por votar contra as sanções dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas ao Irã? Afinal, os EUA precisam da Turquia mais do que a Turquia precisa dos EUA.

A pergunta sobre a morte do Ocidente é, na verdade, sobre a ascensão da Turquia, que é realmente uma história maravilhosa. Os turcos queriam entrar para a União Europeia e foram recusados, mas não sei se os empresários turcos sequer se importam com isso hoje. A UE sente-se morta perto da Turquia, que no ano passado esteve logo atrás da Índia e da China entre as economias de crescimento mais rápido no mundo e foi a economia de crescimento mais rápido na Europa.

Os americanos tendem a olhar para a Turquia como uma ponte ou uma base - seja uma ponte cultural que conecta o Ocidente e o mundo muçulmano ou seja como nossa base (Base Aérea de Incirlik) que serve como o principal centro de abastecimento para as guerras no Iraque e no Afeganistão. Os turcos se veem de forma diferente.

"A Turquia não é uma ponte. É um centro", explicou Muzaffer Senel, pesquisador de relações internacionais da Istambul Sehir University.

Desde o colapso da União Soviética, a Turquia se tornou o centro de seu próprio espaço econômico, expandindo-se do sul da Rússia, através dos Bálcãs, do Cáucaso e da Ásia Central até o Iraque, a Síria e o Oriente Médio. Tudo o que você tem de fazer é ficar no aeroporto e observar o painel de embarques da Turkish Airlines, que voa para cidades das quais não sou capaz de pronunciar a metade, para apreciar o centro econômico pulsante em que o país se transformou para a Ásia Central.

Conheci empresários turcos que estavam administrando redes de hotéis em Moscou, bancos na Bósnia e na Grécia, projetos de construção de estradas no Iraque e grandes operações comerciais com o Irã e a Síria. Em 1980, as exportações totais da Turquia correspondiam a US$ 3 bilhões. Em 2008, foram US$ 132 bilhões. Hoje, há 250 zonas industriais por toda a Anatólia. Os usuários de telefone celular da Turquia passaram de virtualmente nenhum nos anos 1990 para 64 milhões em 2008.

Por isso, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan se vê como o líder de uma emergente usina de força econômica de 70 milhões de pessoas destinada a desempenhar um papel geopolítico independente - daí o seu voto nas Nações Unidas contra as sanções ao Irã. Mas a forma como a Turquia está emergindo é realmente importante - e Erdogan definitivamente vem tendo algumas tendências Hugo Chavez-Vladimir Putin preocupantes.

Nunca visitei uma democracia onde mais pessoas que entrevistei tivessem me pedido para não serem identificadas devido ao temor de represália por parte do círculo de Erdogan - na forma de processos judiciais, investigações fiscais ou de exclusão de contratos governamentais. A mídia aqui é excessivamente autocensurada.

Além disso, Erdogan passou de apenas protestos aos ataques de Israel ao Hamas em Gaza a explosivas teorias conspiratórias - como a insana ideia de que Israel está apoiando os terroristas do PKK - como uma forma de consolidar sua base política entre os conservadores muçulmanos na Turquia e no exterior.

Existe algo que os Estados Unidos possam fazer? Meu conselho: evitar um confronto público que Erdogan possa explorar para construir mais apoio, estabelecer os limites dos Estados Unidos em particular e deixar os democratas turcos assumirem a liderança. A Turquia é cheia de energia e de hormônios. E está tentando descobrir sua nova identidade. Existe um conflito interno sobre essa identidade, entre aqueles que gostariam de ver a Turquia mais alinhada com o mundo e os valores islâmicos e aqueles que querem que o país continue mais secular, ocidental e pluralístico. Quem define a Turquia determinará em grande parte se acabaremos ou não em uma guerra de civilizações. Precisamos nos envolver, mas agir delicadamente.

Esse conflito é pelos turcos, e eles estão envolvidos. Apenas duas semanas antes do incidente da flotilha de Gaza, uma primeira pesquisa de opinião mostrou o Partido da Justiça e do Desenvolvimento de Erdogan, conhecido como AKP, atrás de sua principal oposição - o secularista Partido do Povo Republicano - pela primeira vez desde que o AKP chegou ao poder em 2002.

Esta é certamente uma razão de Erdogan ter apoiado abertamente uma das forças mais radicais na região, o Hamas - reenergizar sua base política. Mas ele exagerou na dose? Até agora, Erdogan foi muito astucioso, tratando seus oponentes como sapos em um balde, sempre aumentando a temperatura apenas gradualmente para que eles nunca soubessem exatamente que estavam fervendo. Mas agora eles sabem. As forças muçulmanas seculares e moderadas na Turquia estão alarmadas; os regimes árabes moderados estão alarmados; os americanos estão alarmados. A luta pela alma da Turquia está prestes a ser travada de uma forma mais vigorosa.
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