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Sexta-feira, 28 de junho de 2024

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Escola para meninas luta para seguir funcionando no Haiti

Em meados de outubro, quando meninas em uniformes engomados passaram saltitando pelos portões do College Classique Feminin para começar o primeiro ano escolar pós-terremoto, seu desejo de buscar o santuário ali dentro era palpável.


Deixando para trás ruas lotadas de ambulantes vendendo tapetes de carro e carregadores de celular, elas voltaram a se ver com abraços e gritinhos. Elas vibravam com a ausência das sufocantes tendas nas quais estudaram na última primavera. E todas receberam bem o alerta do administrador de que a disciplina seria fortemente restabelecida após um período mais complacente, quando "todos nós estávamos traumatizados".

Mesmo assim, nada parecia normal. A porta da escola trazia um assustador selo vermelho em forma de estrela, colocado ali por engenheiros do governo que consideram o local pouco seguro. E o corpo estudantil formado apenas por meninas diminuiu para metade do número de matrículas de antes do desastre.

Quando o sinal tocou, as alunas formaram filas organizadas no pátio empoeirado. Numa energética execução do hino nacional, elas cantaram: "Pelo país, pelos nossos antepassados, marchemos unidos". Então Chantal Kenol, uma diretora, usou o alto-falante.

"Vamos adiar o início das aulas até a próxima semana", ela anunciou, explicando que eram necessários mais consertos, reconhecendo que aquela não era uma "boa notícia". Após um breve silêncio, as alunas lamentaram. Uma voz foi mais alta: "Não, notícia boa nada! Nada boa, nada boa!"

Um novo plano para reformar o fraco sistema educacional do Haiti prevê uma rede de fundos públicos de escolas gerenciadas de forma particular, similar ao que foi desenvolvido em Nova Orleans após o furacão Katrina. O plano pede subsídios e credenciamento para as escolas não-públicas que educam cerca de 82% dos estudantes haitianos.

No entanto, assim como o College Classique Feminin (conhecido como CFF), muitas escolas independentes estão em perigo de colapsar financeiramente antes que essa parceria público-privada possa ser realizada. Essas instituições estão tendo dificuldades para reabrir e permanecer abertas, ser reconstruídas e reter alunos e professores.

Quarenta e seis anos após sua fundação, o CCF, antes uma escola de elite que atende a meninas de classe média baixa que sonham em ser médicas, engenheiras e professoras do futuro do Haiti, agora está lutando por sua vida. O mesmo ocorre com outras instituições desgastadas, de hospitais a universidades, durante este período de limbo antes do início das reconstruções.

"Temos de ser realmente determinados agora", disse Marie Alice Craft, outra diretora do CFF. "Se não formos, tudo vai desmoronar, e não podemos permitir que isso aconteça. Os adultos estão exaustos, mas as crianças merecem um futuro. Não podemos deixar o CFF falhar, assim como não podemos permitir que o Haiti falhe".

Necessidade de reforma
Na primeira semana de outubro, a comissão de reconstrução do Haiti aprovou um projeto da ordem de US$ 500 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento para reconstruir o setor de educação. Na mesma semana, a data de volta às aulas, 4 de outubro, foi algo mas "simbólico", como colocou Pierre Michel Laguerre, diretor geral do ministério da Educação.

Com milhares de escolas danificadas ou destruídas, centenas de substitutos temporários ainda estavam sendo construídos pela Unicef, pelo governo, pela Digicel Foundation e outros grupos. Foi preciso remover entulhos e desalojados das escolas; as famílias tiveram de juntar dinheiro para comprar uniformes e pagar taxas de instrução.

De bairro em bairro, os estudantes gradualmente voltaram às escolas que possuíam "as mesmas dívidas de antes do terremoto – e mais algumas", disse Jacky Lumarque, reitor da Universidade Quisqueya.

Antes do terremoto, o sistema educacional do Haiti era, no pior dos casos, inacessível – com metade das crianças em idade escolar primária fora da escola –, e, no melhor dos casos, "medíocre", como afirmou a comissão presidencial de educação. "Muitas pessoas eram chamadas de professores, muitos lugares eram chamados de escola, mas na verdade não eram", disse Mohamed Fall, chefe de educação da Unicef no Haiti.

Depois do terremoto, defensores antigos da reforma educacional, como Lumarque, viram uma oportunidade. De maio a julho, uma comissão presidencial esboçou um plano de US$ 4,2 bilhões e previsão de duração de cinco anos para fazer uma reforma geral na educação, da pré-escola à universidade.

Anteriormente, a comissão resistia em aceitar as escolas não-públicas como eixo central, mas o momento exigiu pragmatismo.

O plano do Haiti pede o subsídio de escolas não-públicas para eliminar ou reduzir os valores pagos pela instrução. Isso acontecia antes do terremoto de forma muito limitada, mas seu alcance se expandiria bastante e as escolas passariam por um processo cada vez mais rigoroso de certificação. Além disso, grandes escolas preparadas para desastres seriam construídas, seriam estabelecidos programas de treinamento de professores, e o currículo nacional, com 50 anos de idade, seria modernizado.

Logo após o terremoto de 12 de janeiro, os quatro diretores do CFF se aventuraram no centro de Porto Príncipe para descobrir o que tinha ocorrido com a adorada escola.

Dentro do CFF, o centro de mídia onde as meninas geralmente esperavam no final do dia foi esmagado. Assim como o escritório administrativo onde Fabienne Rousseau, diretora de disciplina chamada pelas meninas de "luz vermelha" ou "oficial de imigração", muitas vezes trabalhava até tarde. As mulheres espiavam pelo portão e tremiam.

As mulheres, duas duplas de irmãs, tinham herdado a liderança da escola da mãe e da tia. Depois de analisar a destruição, elas foram de carro até a casa de uma das fundadoras. Elegante e majestosa com seus cabelos brancos, a fundador, Renee Heraux, 77 anos, cumprimentou as mulheres com um remédio caseiro para o sofrimento. Uma a uma, ela ofereceu colheres de um preparo de xarope de cana de açúcar.

Heraux não estava disposta a verificar o estrago com seus próprios olhos. "Ver uma obra de 46 anos destruída em alguns segundos – ah, não, é demais", ela disse, com a voz trêmula.
Escolhas e sacrifícios

Marie Patricia Jean-Gilles, recepcionista do ministério da Justiça, gasta mais de um terço de seu holerite mensal de US$ 325 com sua filha, Caroline Begein, para que ela estude no CFF.

Jean-Gilles disse estar determinada a oferecer a Caroline, 15 anos, que está na 11ª série, uma chance de "subir na vida". Jean-Gilles afirmou só ter conseguido cursar a 11ª série aos 22 anos, quando ficou grávida, abandonou a escola e perdeu o marido para uma doença no fígado. A partir de então, Jean-Gilles se dedica exclusivamente à filha, enviando-a à melhor escola que pode encontrar.

Caroline, uma menina segura e extrovertida, absorveu da mãe a fé na educação – "quando vamos à escola, amarramos a cabeça de forma segura nos ombros", diz Caroline – e valoriza seu sacrifício.

Em março, o CFF, com os registros perdidos, trabalhou para localizar os estudantes. Um telefonema levou a outro, e finalmente a uma reunião de pais no destruído pátio da escola.
Ninguém se aventurou lá dentro para ver as imagens impressionantes: uma classe demolida com um ursinho de pelúcia vestido de palhaço ainda intacto; um monte de carteiras escolares coloridas violentamente jogados contra o concreto partido; uma lição do dia 12 de janeiro ainda escrita no quadro-negro.

Jean Wener Jacquitte, cuja filha Meghann, 15 anos, morreu na casa que desmoronou, participou da reunião em parte para revisitar um de seus locais preferidos. "Também queria dizer a eles pessoalmente que Meghann se foi", disse Jacquitte, olhando para uma foto da filha em seu celular.

Os diretores ficaram impressionados com a determinação dos pais de começar tudo de novo.
Algumas escolas tentaram recuperar as mensalidades pelos três meses em que estiveram fechadas. O CFF, não. Como resultado, os diretores não pagaram sua equipe – nem eles próprios – por esses meses, o que aborreceu muitos professores.

Em abril, os diretores reuniram as alunas para uma semana de terapia em grupo, liderada por Craft, psicólogo. Nas tendas que serviriam como salas de aula, as meninas fizeram círculos, deram as mãos e se apresentaram novamente.

"Meu nome é Caroline Begein e eu sobrevivi ao terremoto de 12 de janeiro", começou Caroline, que então persuadiu uma colega, que tremia de tanto chorar, a se apresentar também.

Sustentando um legado
Oito das 18 estudantes da 10ª série, incluindo Caroline e Medjina, tinham retornado. Os dias de aula eram incompletos, as séries, unificadas, e não havia mais prática de esporte ou aula de informática. Apenas uma aluna da 10ª série passou nas provas estaduais em julho. As meninas imaginavam que a 11ª série seria o momento de finalmente deixar o terremoto para trás, no passado.

Naquele primeiro dia de aula cancelado, as alunas decepcionadas recuperaram o equilíbrio de forma rápida e marcante. Comparando com as dificuldades por que passam desde janeiro, esse era um problema menor. Depois que as aulas voltaram, as alunas estavam ansiosas para retornar ao casulo da escola. Mas novos problemas continuavam atrapalhando, como furacões e epidemias. Caroline, eleita representante de classe, organizou um clube de discussão. Quando questionada sobre os temas debatidos, ela disse: "Cólera, meninos bonitos, qualquer coisa".

Na contagem final, 174 alunas voltaram ao CFF, menos do que o número mínimo de matrículas necessário para que a escola opere no azul. Os diretores começaram a apresentar sérias dúvidas sobre se seria possível sustentar o legado herdado.

Alguns pais, como Pierre Richard Milfort, disse que, se o CFF fechar, ele poderá tirar proveito do seu visto americano e abandonar o Haiti. "Seria um sinal de que tudo realmente está se desfazendo", afirmou.

Mas Caroline se recusa a cogitar que sua escola pode morrer. Ela coloca as mãos nos ouvidos e diz: "Não! Pare! Seria muito desastroso – para mim, pessoalmente, e para o Haiti".
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