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Domingo, 21 de julho de 2024

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ANÁLISE-Mensalão irá expor perfil decisório e competência do STF

O julgamento dos réus do mensalão, a partir de 2 de agosto, não será apenas uma votação histórica para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo seu volume, mas promete colocar a mais alta corte do país em xeque ao expor seu perfil decisório mais formalista ou mais flexível e sua legitimidade em julgar réus sem foro privilegiado --a maioria dos acusados na ação.


As principais decisões do STF ao julgar casos de corrupção de agentes públicos e políticos até hoje seguiram a tradição formalista, isto é, uma análise das provas em que a "letra" da lei vale mais do que seu "espírito", de acordo com especialistas e acadêmicos da área jurídica ouvidos pela Reuters.

Como exemplos, o professor titular de Direito Público da UnB Marcelo Neves cita a decisão de inocentar, por falta de provas, o ex-presidente Fernando Collor no esquema PC Farias em 1994 e a decisão de não abrir ação penal contra o ex-ministro Antonio Palocci, em 2009.

"Este modelo tradicional de supergarantismo, onde há muitas garantias para os réus, beneficia o excesso de zelo e é mais benéfico para quem tem bons advogados", disse Neves.

A tendência hoje em muitos países, afirmam os especialistas, é a busca da "verdade efetiva", do "espírito das leis", não a leitura formal de seu texto.

"Quando se faz uma análise da função atual dos tribunais, e não só no Brasil, na América Latina, mas na Europa e EUA também, a grande função hoje é de repressão e combate à corrupção", afirmou Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da USP.

"Se espera que o Poder Judiciário tenha uma resposta adequada à altura para a sociedade contemporânea do que deve ser o exercício da função política e pública", acrescentou.

INSTÂNCIA E CAPACIDADE OPERACIONAL

Antes mesmo de iniciar a ouvir as partes escaladas, o STF terá de debater uma questão de ordem da defesa de um dos réus, que questiona a constitucionalidade de, sem ter foro privilegiado, estar sendo julgado pelo Supremo. O assunto já foi alvo de questionamentos ao Supremo, que manteve a decisão de não desmembramento da ação para separar os réus.

A defesa, comandada pelo ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, afirma que o réu não deveria ser julgado pela corte sem passar antes por outras instâncias e que, sem o desmembramento da ação, o réu tem tolhido seu direito de recorrer a uma possível condenação --não há outro nível de recurso às decisões do STF.

O foro privilegiado dá prerrogativa para que o presidente da República, ministros, membros do Congresso e poucas outras autoridades que têm cargo público sejam processadas e julgadas pelo STF. Na ação do mensalão, há hoje apenas três deputados federais, que têm foro privilegiado. Todos os demais 35 réus poderiam ser processados pelas instâncias da Justiça comum.

"É um absurdo que por causa de poucas pessoas com foro privilegiado todos os réus sejam julgados pelo Supremo", afirmou à Reuters o jurista Dalmo Dallari, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP e apoiador histórico do PT.

"Há um erro técnico em levar este caso para a corte suprema, que deveria se restringir a casos constitucionais", acrescentou.

O professor Gustavo Oliveira vai mais além e diz que o Supremo não tem a mesma capacidade que cortes menores de reunir provas e encaminar diligências, por ser uma corte moldada para atuar em decisões constitucionais, e isso poderia acarretar em deficiências no processo.

"Se houver absolvição e esta absolvição for decorrente de defeitos no processo ou defeitos no inquérito, que isso fique evidente na decisão. Para que então as instituições responsáveis possam se adaptar e evoluir para que isso não ocorra novamente", argumentou Oliveira.

Em pelo menos um caso semelhante --o chamado mensalão mineiro, que trata de denúncias contra o tucano Eduardo Azeredo, que teria se envolvido com o empresário Marcos Valério quando tentava a reeleição ao governo mineiro em 1998-- o STF decidiu pelo desmembramento da ação. Os réus sem privilégio de foro enfrentarão as instâncias iniciais da Justiça.

"Muito se fala em absolvição, não porque eles (os réus) não sejam culpados, mas se fala de absolvição dos envolvidos por falta de provas ou defeito na coleta de provas, e isso é uma falha institucional, da polícia e do próprio Supremo", disse Oliveira.

TÉCNICO OU POLÍTICO?

Apesar de pressões que vêm desde os advogados de defesa e passam por políticos e mídia, especialistas afirmam que não haverá espaço para decisões políticas no processo -—mas a decisão técnica também não é sinônimo de absolvição.

"Há um absurdo de lado a lado, de alguns dizendo que, se houver condenação, ela será política, enquanto outros dizem que, se houver absolvição, ela será política. São pessoas que não respeitam o tribunal e seu papel jurídico", argumentou Dallari.

Para Oliveira, o que balizará o voto do ministro será a questão técnica, "porque a condenção do STF não pode ser política".

"Cada ministro... vai valorar as provas de acordo com o fato e sua precepção dos fatos", disse Oliveira.

Seja qual for o resultado final do julgamento, porém, dificilmente ele evitará críticas e reclamações. Como resumiu o professor Marcelo Neves, da UnB: "para o Supremo é muito complicado agora, não importa a decisão que tomar".
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