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Quinta-feira, 18 de julho de 2024

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Estudo mostra que distribuir ministérios ajuda a evitar crises

RIO - No quebra-cabeças em que se transformou a montagem de seu novo ministério, a presidente Dilma Rousseff colheria melhores resultados tanto na relação com o Congresso quanto na avaliação de seu governo se decidisse encaixar as peças da futura equipe a partir do orçamento federal de R$ 1,8 trilhão. Isto é o que indica um estudo inédito da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP), ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade. Durante mais de um ano, 19 pesquisadores trabalharam no desenvolvimento de uma ferramenta interativa, batizada de Mosaico do Orçamento, que permite a visualização da distribuição dos gastos federais. Ao relacionar a distribuição dos gastos públicos com a indicação política dos ministros entre 2001 e 2014, período que vai do final do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao primeiro de Dilma, o trabalho concluiu que há maior estabilidade política quando a legenda do presidente divide com os aliados os ministérios mais relevantes, aqueles que realmente têm dinheiro para gastar. O problema é que o PT demonstra grande dificuldade para dividir esse bolo.

Numa peça orçamentária cada vez mais engessada, uma cadeira de ministro pode não significar muito, considerando o orçamento nominal da pasta. Atualmente, 89,5% do Orçamento da União são despesas obrigatórias, verbas que já chegam aos ministérios com destino carimbado. Os outros 10,5% formam o pequeno e cobiçado espaço orçamentário de R$ 185,7 bilhões, que, de fato, está sujeito à decisão dos ministros. São os chamados gastos discricionários, que, no primeiro mandato de Dilma, tiveram quase metade concentrada nos ministérios do PT. Embora o PMDB, com cinco ministérios, seja o partido da coalizão governista que administra a maior fatia do orçamento federal, 41,9% do total, essa participação cai para apenas 5,3% na parcela discricionária dos gastos que está distribuída entre os partidos. Esse cálculo exclui os ministérios que têm técnicos sem filiação partidária como titular.

Esse contraste acontece porque o PMDB administra atualmente o maior orçamento da Esplanada, o Ministério da Previdência. São R$ 402 bilhões, 22,7% de tudo o que o governo foi autorizado a gastar em 2014. Só que praticamente todo esse dinheiro está destinado ao pagamento de pensões e aposentadorias, despesas obrigatórias que não proporcionam ao ministro Garibaldi Alves (PMDB-RN) a chance de cortar uma única fita de inauguração. As outras quatro pastas que o partido controla — Minas e Energia, Turismo, Agricultura e Aviação Civil — somam apenas 1,2% do orçamento total. Não à toa, o partido do vice-presidente, Michel Temer, tenta passar a Previdência adiante. Enquanto isso, o PT administra hoje 46,9% dos recursos não carimbados, com participação no orçamento de 34,7%.

A tendência de concentração de poder e recursos do PT ajuda a explicar a tensão permanente da relação de Dilma com sua base parlamentar, especialmente com seu principal aliado. Partidos com bancadas menores no Congresso administram uma parcela maior dos gastos livres do que o PMDB. É o caso do PP, que só tem o Ministério das Cidades desde meados do primeiro governo Lula. A pasta, responsável por investimentos em infraestrutura urbana e habitação, fica com apenas 1,5% do Orçamento da União, mas libera 12,9% das verbas discricionárias, o equivalente a R$ 23,9 bilhões. O ministério cuida de obras de saneamento e mobilidade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além das moradias populares do Minha Casa Minha Vida. O PR é outro partido dono de parcela mais generosa das verbas discricionárias com apenas uma pasta, a dos Transportes. O ministério tem 9,3% das verbas livres e gere a maior fatia dos investimentos no Orçamento em 2014: 15,8 bilhões ou 18,9% do total.

O trabalho da FGV/DAPP mostra que as crises enfrentadas pelo PT no poder aconteceram em momentos em que o partido dividiu menos a administração dos gastos discricionários. Ao assumir em 2003, Lula reduziu a divisão da parcela do Orçamento que mais interessa aos aliados em comparação com o ministério de Fernando Henrique Cardoso. Como não há dados separando gastos obrigatórios e discricionários antes de 2004, os pesquisadores chegaram a essa conclusão usando a divisão dos ministérios entre os partidos excluindo apenas o caixa da Previdência. Esse indicador demonstrou forte correlação com a divisão dos gastos livres dos anos seguintes. Em 2001, FH dividia com os aliados, sobretudo o PFL, quase 30% dos gastos nessa modalidade. O tucano sofreu com a crise do racionamento de energia e encerrou o mandato com esse índice em 23,5%.

Lula, no entanto, aprofundou ainda mais a concentração deixando apenas 15,5% da gestão do orçamento com os aliados. Acabou colhendo a crise do mensalão, em 2005, e teve que abrir o ministério para novos aliados, como PMDB e PP. No auge de sua popularidade, em 2009, chegou a dividir 61% dos gastos discricionários com os aliados. Ao assumir em 2011, Dilma voltou a concentrar essa parcela do Orçamento no PT, deixando 41% para os aliados. O resultado foi a tensão constante da relação dela com a base aliada e denúncias de corrupção que a levaram a promover a “faxina ministerial” e reduzir ainda mais a divisão dos gastos livres. Em 2013, os aliados controlavam pouco mais de 30% dessa parcela do Orçamento quando as manifestações de junho minaram a popularidade da presidente. A saída do PSB do governo, no mesmo ano, tornou mais difícil a disputa pela reeleição. Agora, enquanto planeja sua nova equipe, Dilma enfrenta duas CPIs para investigar o escândalo da Petrobras.

— Não basta para os aliados nomear ministros. É preciso que eles participem de fato das escolhas de políticas públicas, que se refletem principalmente na parte discricionária do orçamento — diz o cientista político Luís Felipe da Graça, um dos pesquisadores da FGV/DAPP. — Os partidos só participam do governo porque tiveram votos para ocupar cadeiras no Congresso. É natural que queiram influenciar nas decisões do governo.
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