No interior de Goiás, uma promotora de Justiça está travando uma batalha contra donos de confecções, contadores, policiais e fiscais da Receita. Ela acusa fabricantes de roupas de falsificar grifes famosas, vendidas depois para todo o país.
A promotora Juliana França passou a sofrer ameaças depois que começou a investigar, há um ano, um esquema de falsificação de roupas na cidade de Jaraguá, que fica a 120 km de Goiânia. “O pneu do meu carro foi rasgado com canivete. A minha cachorra foi envenenada, jogaram uma cobra na minha casa”, afirma.
No fórum recém-construído, o depósito com os produtos apreendidos já está lotado de matéria-prima e roupas falsificadas de marcas conhecidas, nacionais e internacionais. Entre elas 100 mil peças apreendidas em janeiro que estavam em 30 depósitos espalhados pela cidade.
Um fabricante deles escondia a mercadoria atrás da fachada de uma casa, a poucos metros do fórum.
Em uma operação, uma máquina de costura foi apreendida justo na hora em que as camisas eram bordadas com a marca de uma grife famosa. Segundo os investigadores, a máquina e as roupas que estavam sendo bordadas pertencem a Cláudio Crisóstemo, que é dono de uma confecção na cidade.
Crisóstemo, no entanto, nega produzir roupas falsas. “O povo está fazendo tempestade em copo d’água, coisa que não existe, ou, às vezes, um e outro está difamando a cidade inteira”, diz.
Em outra confecção, também investigada por falsificação, o dono não permitiu a entrada da equipe do Jornal da Globo. João Alberto Ribeiro, que responde ao processo em liberdade, também alega inocência.
1,5 milhão de peças ao mês
Segundo o Ministério Público, a indústria de falsificação em Jaraguá chega a produzir 1,5 milhão de peças por mês: 80% dos 800 fabricantes de roupa da cidade estariam envolvidos com a pirataria.
Na lista dos investigados estão 41 pessoas: donos e gerentes de confecções, fornecedores de peças, fiscais da Receita, contadores e até policiais estariam agindo como informantes, fornecendo dados sobre operações de combate à pirataria ou ajudando a esconder a produção ilegal.
Apesar dos fortes indícios, na cadeia de Jaraguá não existe nenhum preso condenado por algum tipo de envolvimento com a falsificação de roupas.
O Ministério Público e a Polícia Civil ainda estão investigando esse comércio ilegal para concluir o que já está sendo chamado de o maior inquérito aberto até hoje na cidade sobre o assunto.
Num inquérito foram incluídas conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça. Veja trechos:
Comprador: “eu trabalho aqui na região do Tocantins”.
Falsificador: “certo”.
Comprador: “ele disse que você fornece, que você faz uma calça boa, né?”.
Falsificador: “ahã!”.
Comprador: “é marca própria ou é só falsificada, Mário?”.
Falsificador: “uai, tenho as duas”.
Mesmo depois de flagradas, produzindo roupas piratas, as confecções voltam a funcionar. Sinal de que só a fiscalização já não intimida mais.
Compradora: “e aí, pegaram roupa sua?”.
Falsificadora: “pegou, uai!”.
Falsificadora: “então, na semana que vem a gente começa, está começando de novo, semana que vem já tem de novo, né?”.