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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

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Para fugir das taxas e golpes, lojas em SP vetam cartões e cheques

O primeiro calote Maria Raquel Antunes Moreira nunca esquece. Quando tinha aberto a vendinha havia apenas um ano, a comerciante de 70 anos decidiu que cartões e cheques estavam banidos de sua loja. “Não me pagaram. Foi logo que eu abri e não conhecia ninguém no bairro. Depois do golpe, não fiz mais fiado nem aceitei cheque e cartão”, conta Raquel, dona de um pequeno comércio no Ipiranga, Zona Sul de São Paulo. Ela diz ter sido vítima de cheques sem fundo e compras no fiado nunca pagas.


Não é tão comum, mas, assim como Raquel, alguns comerciantes da cidade optaram por trabalhar apenas com dinheiro. O principal argumento é o de que a praça está cheia de clientes devedores. “Se não tem dinheiro, não leva”, avisa a dona da “conveniência”, como ela chama a lojinha onde oferece de tudo: jornais, revistas, palavras cruzadas, filmes em DVD, livros, refrigerantes, balas, doces, produtos de limpeza e alguns mantimentos.

Há 15 anos no Ipiranga, hoje Raquel conhece todo mundo no bairro. Faz as contas em uma máquina de calcular e anota o volume de vendas em um caderninho. Os clientes mais antigos, com crédito na lojinha, têm seu nome fixado com fita adesiva na mesa que funciona como balcão. É para Raquel lembrar quem está com os pagamentos pendentes. E ela afirma não temer assaltos, apesar de manter dinheiro no caixa. “São compras pequenas, de pouco valor.” Ela diz que, além da preocupação com os calotes, não quis colocar cartões de crédito e débito na loja por causa dos custos de manutenção das máquinas. “Fica caro. Não compensa.”

Vende mais barato

O comerciante Marcos Amino, de 44 anos, pensa da mesma forma. “As taxas do banco são muito altas. Por cada bandeira do cartão, a gente paga R$ 100, R$ 150 de aluguel da máquina por mês”, diz o dono de uma loja de balas e doces ao justificar por que não aceita cartões. “E cheque é porque já levei muito golpe, peguei cheque roubado.”

Amino trabalha da Avenida Brigadeiro Luis Antonio, na Bela Vista, e afirma que tem bastante movimento o dia inteiro. Por isso, também julga ser complicado oferecer cartões como forma de pagamento. “A loja é pequena. Não tenho estrutura física para ter cartão. Leva tempo até as pessoas digitarem a senha, tem gente que ainda erra os números. Alguns clientes compram bala e querem passar R$ 1 no cartão. Não dá.”

Ele tem um argumento a mais para justificar a opção apenas pelo dinheiro como moeda de troca. “Nosso preço é mais barato. Quem usa cartão vende mais caro porque paga as taxas do banco”, conta Amino.

Pequenos negócios
O economista Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, diz que, geralmente, optam por trabalhar só com dinheiro os comerciantes de bairros carentes, como nas periferias, e com estabelecimentos menores. “São compras mais baratas. Tudo é uma questão de custo/benefício. Quanto mais a área é desenvolvida, maiores são as formas de pagamento e oportunidades de vender. Em alguns lugares, a clientela não tem cartão.”

Para ele, “é sempre arriscado” manter dinheiro vivo no caixa. Por isso, alguns comerciantes ficam precavidos. “Alguns encerram o caixa antes de o banco fechar para fazer o depósito.”

Em Paraisópolis, acontece exatamente o observado pelo economista. É fácil encontrar na segunda maior favela de São Paulo comerciantes que só têm no caixa notas em espécie e moedas. São sapateiros, donos de lanchonetes, biroscas e barbearias: tudo pequeno comércio, com clientela conhecida.

Charles Sanches, um dos sócios da Padaria Saionara, só trabalha assim. “Não compensa o cliente vir aqui e fazer uma compra de R$ 10 no cartão. Com as tarifas, não sobra nada”, diz o rapaz de 24 anos. De acordo com ele, o pãozinho francês é o carro-chefe das vendas. São cerca de 5 mil unidades por dia. “A maioria vem aqui comprar pão, e já traz o dinheiro.”

Ele conta que, por seis meses, experimentou aceitar cartão na padaria como forma de pagamento, mas não deu certo porque as compras eram de baixo valor. “Uma minoria passava os cartões e para compras de até R$ 20.” O cheque também não é bem-vindo, mas por um outro motivo. “Logo que abrimos aqui tivemos problemas com cheque sem fundo”, justifica o comerciante, que abriu o negócio há quase três anos em uma esquina da favela.

Na esquina oposta, o dono do “Bar do Frango”, como é conhecida a birosca que vende a ave assada aos domingos, diz que cartão e cheque estão proibidos. “Nunca fui atrás de colocar cartão aqui e cheque os meus fregueses nem usam. Mas também não recebo para não ter problema (de calote)”, afirma Osvaldo Nunes de Barros, de 50 anos, 19 deles dedicados ao negócio.

A poucos metros dali, quem for cortar o cabelo no Hélio Cabeleireiros também vai precisar ter dinheiro no bolso. “É mais prático. A gente trabalha só com corte masculino e o mais caro custa R$ 15, que é com tesoura”, diz o barbeiro Mardoni Mesquita Mineiro, de 22 anos. Para ele, receber com cartões ou cheques não compensa. “O pessoal sabe que o preço é baixo e vem com o dinheiro na mão.”

O que diz o Procon
De acordo com o Procon-SP, os estabelecimentos comerciais são livres para decidir só aceitar pagamentos em dinheiro, desde que seja na moeda corrente no país. O que não é permitido, de acordo com o órgão, é definir limites de gastos para aceitar outros meios de pagamento, como só o cartão de débito em compras acima de R$ 5, por exemplo. “Se a loja decidir aceitar determinado meio de pagamento tem que ser para qualquer valor”, informou o Procon-SP.
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