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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

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Sobre duas rodas: cidade de SP tem duas bicicletas por morador

Guararapes, no interior de São Paulo, é a cidade que anda sobre duas rodas. O município de 30 mil habitantes tem, segundo a Polícia Militar, uma frota de 60 mil bikes, uma relação de duas por morador ou quatro para cada um dos 15 mil veículos automotores.


Ao contrário do que ocorre na maioria das cidades, quem manda no trânsito de Guararapes são as "magrelas". O resultado é uma convivência amistosa entre ciclistas e motoristas, tanto que nos últimos 10 anos, apenas duas mortes de usuários de bicicletas foram registradas em acidentes na zona urbana (a última em 2009).

A topografia da cidade, totalmente plana, com ruas asfaltadas, facilita a vida de quem pedala. A prefeitura instalou, por todo o comércio, bolsões de estacionamento, onde as bicicletas podem ser trancadas com cadeados. Os ciclistas inventaram cestinhas para carregar pertences e até cadeirinhas para bebês. É comum ver mães carregando uma ou duas crianças nessas cadeirinhas. "Vou levar minha filha para a creche e minha mulher vai trabalhar agora", disse Marcelo Cicarelli, ao lado da mulher Elisangela, em outra bicicleta. A filha, Ana Luzia, foi sentada numa cadeirinha na frente da bike. "Só aqui consigo dar umas pedaladas. Não poderia fazer isso em Osasco, onde eu morava", disse o aposentado João Batista, 77 anos, que morou em Osasco até 2009. "Para isso, deixo o carro em casa e pedalo mais ou menos uma distância de quase seis quilômetros, ida e volta", disse.

Há bicicletas de todos os modelos e anos de fabricação, conduzidas por gente de todas as idades, desde crianças acompanhando os pais, a idosos que deixam os carros em casa para ir às compras pedalando, como o agricultor Amâncio Eládio de Mello, 58 anos, que mostrava a companheira que usa para buscar compras no comércio. "Essa aqui tenho há mais de 20 anos. Para que usar carro se podemos pedalar à vontade? Além de fazer bem à saúde, também economiza e ajuda o meio ambiente", falou.

Em Guararapes, a bicicleta tem mil e uma utilidades. É, por exemplo, usada para entregar pão pelo entregador Geovaldo Pereira. "É bem mais rápido, a gente vai pedalando e parando de casa em casa, em três horas entrego todos os pães", apontou ele, que revende entre 250 e 300 pães por dia. Também é usada pelo funcionário do correio José Luís Corte. "É uma meio rápido porque tenho de parar em muitas casas", disse. O supermercado também usa as bikes para levar mercadorias nas casas dos clientes, assim como entregador de pizza e tantos outros trabalhadores também usam. Porém, principalmente, como meio de transporte dos estudantes, que às centenas saem das escolas e, em grupos, tomam conta das ruas, obrigando os carros a reduzir a velocidade.

Os motoristas, já acostumados, obedecem e poucos reclamam. "Quando chego aqui, já sei que a prioridade é da bicicleta, tiro o pé do acelerador e fico observando, principalmente as meninas. É interessante porque acaba com o estresse da correria do meu trabalho e ainda dá tempo para uma paqueradinha", disse o vendedor Reginaldo Fernandes, 25 anos.

Sem regulamentação
O comandante do policiamento de trânsito de Guararapes, tenente Jesus Andrade, tentou explicar a relação motorista/ciclista: "No geral, há um respeito entre as partes, por isso a situação é tranquila, mas existem sempre as exceções, e neste caso é uma minoria de ciclistas, que por saber que não pode ser penalizada, insiste em trafegar na contramão ou atravessar o sinal vermelho". Segundo ele, isso acontece porque a falta de regulamentação impede a punição dos ciclistas. Para regulamentar, seria necessário emplacar todas as bicicletas do município, tarefa considerada quase impossível.

"Por mim, acho que deveriam emplacar para poder evitar essas infrações de trânsito e também reduzir os furtos e roubos", argumenta o aposentado Pedro Moreno Donato, 68 anos, que a exemplo de muitos guararapenses deixa o carro em casa e usa a bicicleta.

Além de ajudar a identificar o ciclista, o emplacamento também ajudaria a polícia a acabar com o grande número de furtos. Em 2010, foram 75 casos, mas a muitos não registram boletim de ocorrência, o que incentiva o mercado paralelo, facilitado pela receptação e venda por usuários de drogas. Até junho de 2011, 20 bicicletas foram furtadas ou roubadas, oficialmente. O número reduziu no decorrer dos anos após um trabalho entre as Polícias Civil e Militar que mudaram a localização dos bolsões de estacionamento, orientaram os ciclistas e apertaram o cerco aos suspeitos, com campanhas de conscientização. "Hoje, os ciclistas não deixam mais as bicicletas destrancadas e sabem que ao comprar uma furtada ou roubada podem ir parar na cadeia", disse o tenente.

Cidade ganhará primeira ciclovia
Para o prefeito, Edenilson de Almeida (PSDB), a regulamentação exigiria uma lei municipal, emplacamento e a cobrança de taxas, mas poucos ciclistas iriam cumprir a legislação porque a maioria das bicicletas é de modelos antigos e a cobrança de taxas seria impopular. "Além disso, o emplacamento foi feito no passado e não deu certo, por isso nosso objetivo é dar educação", disse.

É principalmente para educar - e em segundo lugar orientar o trânsito - que a cidade constrói sua primeira ciclovia. "A relação entre motoristas e ciclistas em Guararapes é uma questão cultural, porque não há lei que vá estabelecer uma convivência tão pacífica como a vivida hoje entre as duas partes", disse o prefeito. Segundo ele, a ciclovia somente se justifica porque será numa avenida de fluxo rápido e maior volume de veículos.

A ciclovia vai ligar a região central à sul. Contudo, a obra, desnecessária na maioria das ruas da cidade de acordo com o prefeito, não será apenas para oferecer maior segurança, mas para educar o ciclista. "Com a ciclovia o ciclista vai entender que há regras a serem obedecidas, pois embora o índice de acidente seja pequeno, ainda há ciclistas que desobedecem a sinalização", disse.

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