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Segunda-feira, 22 de julho de 2024

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Haiti: voluntários e vítimas de terremoto tentam salvar corais

Era uma manhã de verão imaculadamente clara, um dia perfeito para mergulhar.


Ainda nenhum lixo havia aparecido na praia. 12 voluntários, todos animados, alguns um pouco apreensivos, vestiam nadadeiras e máscaras e deslizavam para o oceano morno, ansiosos para se juntarem a uma equipe de ecomergulhadores - responsáveis por pesquisar, e talvez algum dia salvar, os recifes de corais ameaçados do Haiti.

Apenas uma coisa estava em seu caminho: para a maioria deles - como Jessika Laloi, de 21 anos - esta era a primeira vez que nadariam no oceano. Até alguns meses atrás, Laloi não sabia nadar nem mesmo o estilo "cachorrinho".

Agora ela estava entrando no mar usando shorts e um top de alças, com um colete salva-vidas preso ao torso - uma distração bem-vinda desde que sua casa desabou no terremoto há um ano e meio.

"Mergulhar e nadar é uma forma pessoal de mostrar que você está no ambiente", disse Laloi. "Você faz parte dele. Você não precisa destruí-lo".

A degradação ambiental é abundante no Haiti - desmatamento, erosão, poluição -, e na maior parte ela é fácil de notar. Mesmo assim, por muitas décadas o ambiente marinho do país sofreu de maneira invisível. Seu extenso sistema de recifes de coral, uma atração para mergulhadores estrangeiros nas décadas de 1970 e 80, em grande parte já desapareceu - em parte pela sedimentação e mudanças climáticas, mas principalmente pela pesca predatória excessiva.

"Essa é provavelmente a pesca predatória mais intensa que já vi em qualquer lugar do mundo", afirmou Gregor Hodgson, diretor da Reef Check, organização sem fins lucrativos da Califórnia que monitora a saúde de recifes em todo o mundo. Segundo Hodgson, que vem conduzindo o treinamento de Laloi e seus colegas haitianos, sua organização trabalha com recifes em 90 países.

Meses após o terremoto que devastou Porto Príncipe, a capital desta nação, Hodgson foi ao Haiti para inspecionar recifes, buscando danos causados pelo terremoto. Em vez disso, ele descobriu algo mais alarmante: corais mortos até onde os olhos alcançavam e quase nenhum peixe. Ele estima que cerca de 85 por cento dos recifes de corais morreram.

No Haiti, 54 mil pescadores dependem do oceano para sua subsistência, segundo o Ministério da Agricultura, que supervisiona a gestão de pesca. Nas últimas décadas, enquanto os usuais pargos e garoupas de Nassau diminuíam e desapareciam, muitos deles sobreviveram usando redes e arpões para capturar pequenos peixes de corais, que mantinham os recifes limpos de algas. Agora esses também quase desapareceram e as algas tomaram conta.

Num recente mergulho próximo à ilha La Gonave, Hodgson passou por um cemitério de corais intactos e mortos, cobertos por algas e esponjas - e quase destituídos de peixes.

O Haiti possui o segundo maior litoral de todos os países do Caribe; mesmo assim, este é o único país que não estabeleceu áreas marinhas protegidas, onde a pesca é restrita ou proibida, segundo o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. Assim, a Reef Check decidiu analisar os recifes e sugeriu que o governo haitiano criasse parques marinhos onde os peixes possam comer, crescer e se reproduzir.

"É bastante incomum chegar a um país onde não existem ecólogos marinhos envolvidos com recifes de corais e nenhum programa de biologia marinha nas universidades", explicou Hodgson. "Estamos começando do zero".

Pierre Guy LaFontant, diretor geral da atividade pesqueira no Haiti, reconheceu que a pesca excessiva era um problema e afirmou que as autoridades eram receptivas à ideia de estabelecer águas protegidas. Mas se o governo não consegue nem mesmo aplicar sua regulamentação existente, os pescadores poderiam ser persuadidos a respeitar uma linha invisível na água? "Esse seria meu maior sonho", disse LaFontant, "mas a realidade é completamente diferente. Para os pescadores, não há alternativas. A pobreza é a lei".

Henry Hilaire, que pescou durante 36 anos, recolhia redes num veleiro com vários outros haitianos, em águas que a Reef Check pretende tornar protegidas.

"Não encontramos o suficiente", afirmou Hilaire sobre sua captura, "mas temos de levar o que conseguimos. Não existem peixes o bastante para que possamos sobreviver".

Hilaire puxou dois peixes pequenos, cada um com cerca de 12 centímetros de comprimento, de sua cesta. "Estes seriam jovens demais para ficarmos com eles", explicou, "mas as circunstâncias são tais que se não os levarmos, ficaremos com fome".

Muitos dos mergulhadores em treinamento da Reef Check eram solidários com a luta dos pescadores.

"Eles estão desesperados, tentando sobreviver, então como se diz a eles para não pescarem aqui?" questionou o professor de literatura Romain Louis, de 37 anos, tentando entrar na equipe de ecomergulhadores.

Louis sugeriu que os pescadores precisariam de um incentivo. "Sabe, isto é gratuito", disse ele sobre o treinamento pelo programa da Reef Check, acrescentando: "É uma boa troca. Quanto eu teria investido para fazer isso? Talvez, se esses pescadores recebessem algo em troca, eles parariam de pescar em recifes saturados".

Hodgson argumentou que os pescadores poderiam, de fato, se tornar os apoiadores mais fortes do projeto. "Quando eles virem os peixes retornando, os peixes crescendo, um lindo coral voltando à forma, eles mesmos irão se tornar os protetores do recife", garantiu.

Sob a orientação da Reef Check, assim que os voluntários demonstrarem proficiência em natação e mergulho com snorkel, eles serão ensinados a mergulhar com cilindros de oxigênio, mapear os recifes metro por metro e contar espécies cruciais de peixes, ouriços e lagostas - basicamente, qualquer coisa que o ser humano goste de comer.

A organização começou a recrutar mergulhadores voluntários no início deste ano, mas as coisas foram lentas. Segundo Hodgson, apenas um em cada 30 candidatos selecionados para um teste numa piscina, em abril, conseguiram nadar a metade de seu comprimento. Os outros nem sabiam nadar.

Mas o que os voluntários não possuem de experiência, compensam em entusiasmo e curiosidade. "É emocionante", definiu Melissa Barbot, estudante de arquitetura de 24 anos, após um mergulho com snorkel. "Esta é minha primeira vez e, naturalmente, estou com aquele sentimento de novidade".

Para alguns dos voluntários, aprender a mergulhar também mostrou ser algo terapêutico. "Quando vi como isso é maravilhoso", disse Laloi sobre os momentos na água, "simplesmente me esqueci de que moro numa região muito feia".

Antes do terremoto, Laloi era universitária e estava se formando em medicina. Quando o terremoto começou, ela pulou do segundo andar de sua casa enquanto tudo desabava à sua volta. Depois, ela morou com sua tia numa tenda e trabalhou como voluntária na Cruz Vermelha, atendendo os feridos.

"Meu cabelo começou a cair e ganhei muito peso - eu estava enorme", contou ela. "O psicólogo disse que era pelo stress".

No fim de seu terceiro dia de aulas com a Reef Check, Laloi saiu da água, eufórica e ligeiramente sem fôlego. "Foi como um alívio", explicou ela, olhando para o oceano. "Quando eu estava lá embaixo, me esqueci do terremoto. Esqueci de tudo, minha tristeza, tudo. Era como se eu estivesse vivendo uma nova vida", continua.

"Virei para cá muitas, muitas vezes, para poder ver o oceano", acrescentou ela. "Acho que os peixes ficam felizes por me ver".
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