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Segunda-feira, 22 de julho de 2024

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Com restrição ao México, Brasil terá mais tecnologia, dizem especialistas

O Brasil vai ganhar em investimento tecnológico com o freio colocado no acordo automobilístico de importações de carros com o México. Essa é a opinião de especialistas em estratégia e no setor consultados pelo G1 após o governo anunciar, nesta sexta-feira (16), que os dois países vão restringir as vendas a cotas que não ultrapassam US$ 1,6 bilhão durante 3 anos.


Segundo analistas, antes da alteração, as montadoras com fábricas nos dois países haviam se acomodado em uma "zona de conforto". Em outras palavras, não investiam em tecnologia no Brasil, onde se especializaram em carros mais baratos, e fabricavam modelos com maior valor agregado em solo mexicano, devido ao custo menor (veja lista dos carros mexicanos vendidos no Brasil).

O novo sistema modifica temporariamente o acordo assinado pelos dois países em 2002, que, nos últimos anos, tem registrado saldo altamente favorável ao México. Até março de 2015, as vendas de ambas as partes serão restritas a 3 valores diferentes. Após esse período, as regras originais de livre comércio serão retomadas.

“A medida foi oportuna, até branda eu diria”, afirma o professor de gestão estratégica de mercado da BBS Business School, Antonio Cosenza. “Agora, ou as montadoras reduzem as vendas ou produzem localmente o carro”, ressalta o professor.

Índice de nacionalização
Outro ponto revisado no acordo é o índice de nacionalização de peças. Os dois países se comprometeram a aumentar o conteúdo regional nos carros exportados, o que também era um pedido do Brasil. Ao longo deste primeiro ano, essa elevação será de 30% para 35% "no prazo mais curto possível", diz o governo brasileiro em nota. "Até o final do terceiro ano subsequente, o conteúdo regional deverá alcançar 40%", completa. Entre 2015 e 2016, será examinada a possibilidade de aumentar o conteúdo regional a 45%.

Diferentemente do índice de nacionalização estabelecido recentemente para o produto fabricado no Brasil não sofrer aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de 65%, o percentual do acordo bilateral só considera autopeças como conteúdo regional. “O [índice de nacionalização] do IPI compara custo com venda, o que leva em conta margem, despesas de propaganda, de frete, despesas de venda”, esclarece o sócio da empresa de consultoria PwC do Brasil e líder do setor automotivo, Marcelo Cioffi.

A margem, considerada alta, será o ponto crucial para o investimento tecnológico no Brasil. Isso porque o volume da demanda de um modelo no Brasil é o que justificará ou não a mobilização da cadeia de suprimentos para aumentar o conteúdo local mexicano. É um cálculo de custo de produção, considerando que o México atende por meio de acordos comerciais diretos a demanda americana, afinal, é o “quintal mais barato” dos Estados Unidos.

Se você muda esse conteúdo, altera toda a cadeia de suprimentos. Nenhuma montadora vai querer atingir a meta dos 35%, 40%, só para atender ao Brasil. Então, a chance de a fabricante parar de exportar modelos de baixo volume existe, se não compensar financeiramente”, diz Cioffi. No entanto, se o volume for alto, o custo com o aumento do índice de nacionalização mexicano e as cotas estabelecidas justificam um investimento na produção no Brasil. “Isso só fortalece a necessidade de que produzir no Brasil está cada vez mais importante”, define o consultor da PwC.

Por ora, a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) limitou-se a divulgar um breve comentário sobre as mudanças no acordo. “A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) entende que a celebração de acordos internacionais de comércio no setor automotivo constitui-se em importante instrumento de promoção do comércio exterior do país, e reitera a necessidade da permanente evolução da competitividade das exportações brasileiras e do fortalecimento da indústria nacional", diz, em nota.

A entidade mexicana equivalente, a Asociación Mexicana de la Industria Automotriz (Amia), também se mostrou satisfeita com a saída encontrada pelos dois países, até porque, o mais importante para o México – o grande beneficiado pelas exportações nos últimos anos — é manter o acordo. “Antes dessa abertura, o México exportava para cá US$ 1 bilhão. Com o acordo, ele passou a exportar US$ 2 bilhões. Agora, ele vai contar com cerca de US$ 1,5 bilhão”, explica Consenza.

Divisão da cota é o desafio
Tanto a Anfavea quanto a Amia terão agora um árduo trabalho entre as montadoras para dividir quem vai exportar e importar quanto e o que. A partir desta segunda até 18 de março de 2013, a cota é de US$ 1,45 bilhão. De 19 de março de 2013 a 18 de março de 2014, sobe para US$ 1,56 bilhão. E de 19 de março de 2014 a 18 de março de 2015, será de US$ 1,64 bilhão.

Ao G1, o diretor de relações institucionais da Anfavea, Ademar Cantero, afirmou que a divisão será um assunto interno a ser resolvido entre as montadoras por meio da associação. “Isso será resolvido por um consenso. Vai ter que ter uma referência para definir a divisão, porque vai depender da situação de cada empresa. Ainda não temos nada estabelecido sobre qual será essa referência, que poderá levar em conta, por exemplo, a participação de mercado”, explica Cantero sobre quais serão as discussões dos próximos dias.

IPI maior para importados influenciou
O aumento do IPI para carros importados de montadoras fora de Argentina, Uruguai e México foi o que forçou o governo brasileiro a limitar as trocas com o México, de acordo com Marcelo Cioffi. Segundo ele, mesmo com a restrição, o governo viu que a balança comercial continuou desfavorável. “É necessário conter esse surto de importação dos últimos três anos. A mudança desse acordo já era esperada”, afirma o sócio da PwC do Brasil.

Assim, de certa forma, a restrição diminuiu o abismo entre os preços de modelos importados pelas montadoras sem operações no país, representadas pela Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), e os dos importados do México, também com maior valor agregado.

“Era natural que o consumidor que comprava carro importado de uma empresa da Abeiva (BMW, Audi, Kia etc.), com o aumento dos 30 pontos percentuais do IPI migrasse para um modelo equivalente produzido no México. Então, as associadas da Abeiva, de certa forma, foram ‘beneficiadas’ pela revisão do acordo”, destaca o consultor da PwC.

Brasileiro quer carro mais completo
De acordo com os especialistas consultados, a preocupação do governo não só com a produção local, mas também com o aumento de conteúdo tecnológico, será importante nos próximos anos. Isso porque, embora o Brasil tenha se especializado em carros compactos de baixo valor agregado, o aumento do poder de consumo força a demanda por carros mais completos. Pode-se dizer, assim, que o setor vive hoje no país um paradoxo.

“Essa estratégia de se especializar em um tipo de produto é interessante, mas o fortalecimento da economia do país, com o aumento da renda, mudança de classe social, faz com que o consumidor queira um carro melhor. E, até então, no Brasil não tinha isso”, analisa Cioffi. O consultor ressalta ainda que a camada de população que mais vai aumentar nos próximos cinco anos é a classe A. "O Brasil tem que ser especializado em compactos, mas com opções mais caras, para o consumidor crescer no portfólio da marca."

E é exatamente por este motivo que as mudanças não deverão parar por aí. A reestruturação do acordo com o México sela as mudanças iniciadas como aumento de IPI para importados, mas abre campo para montadoras do segmento de luxo, como a BMW, manterem os planos de investimento em fábricas no Brasil. Mesmo que isso signifique um novo acordo para alterar o índice de nacionalização e “aliviar” alguns casos da obrigatoriedade de 65% de conteúdo regional para ter um IPI “razoável”.
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