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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

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'Foram 5 minutos de horror', lembra sobrevivente do incêndio em boate

Foto: Tatiana Lopes/G1

'Foram 5 minutos de horror', lembra sobrevivente do incêndio em boate
Pensamento positivo, conversas com amigos e carinho de familiares são os pontos em que Karina Stefani, de 27 anos, busca forças para seguir a vida após se salvar do incêndio na boate Kiss, onde mais de 230 pessoas morreram após uma festa universitária no dia 27 de janeiro. Karina conseguiu se salvar com uma de suas amigas. As outras cinco jovens que a acompanhavam morreram. A fisioterapeuta chegou a ficar internada e recebeu alta hospitalar na quarta-feira (30).


"Tentava pensar em coisas boas. A gente ficava no computador, líamos as notícias, tínhamos atendimento psicológico. Como não estávamos em estado grave, conversávamos", conta ela ao G1. No quarto, outros três pacientes também faziam tratamento. Os pais de Karina a acompanharam todos os dias.

Na quinta-feira (31) ela voltou ao local da tragédia acompanhada da mãe, Maria Cecília Stefani, onde um memorial improvisado às vítimas a cada hora recebe mais flores, cartazes e visitas emocionadas.

Natural de Caçapava do Sul, Karina foi morar em Santa Maria para estudar e trabalhar. Ela mora sozinha em um apartamento da cidade. No dia da festa, ela se divertia com as amigas até o momento em que a fumaça tomou conta da casa. "Foram cinco minutos de horror", resume a sobrevivente.

Karina lembra que estava ao lado do palco quando percebeu uma confusão, que começou após a pirotecnia no palco. "Não vimos (ela e as amigas) o fogo. Só os seguranças tentando usar os extintores, e eles não conseguiam", lembra. "No início achamos que era alguma briga", completa.

Em meio a uma nuvem de fumaça, ela tentou sair da boate quando começou a ouvir gritos de 'fogo'. "Consegui ir até a porta e caí na saída. Até ali tive forças. Achei que dali não passaria. Até que um menino me puxou. Não vi quem era, não sei quem é ele até hoje, mas ele me ajudou", relata.

Segundo ela, naquele instante não havia seguranças trancando a passagem, como algumas testemunhas relataram. Depois, foram para o estacionamento do supermercado que fica em frente à boate. Esperaram a fumaça se dissipar um pouco e voltaram para a entrada da Kiss para tentar ajudar nos salvamentos.



Karina foi ao hospital porque se sentia mal após inspirar a fumaça. Ela foi medicada e fez tratamento com nebulização. Em casa o procedimento é mantido. Após a alta, o médico deu um prazo de 10 dias para ela retornar ao consultório para novos exames.

"A primeira coisa que fiz (ao sair da boate) foi agradecer. E lembrei das minhas amigas que não estavam ali fora comigo", lembra.

No conforto da casa dos pais, onde também reside seu irmão mais novo, Karina tenta retomar a vida. A partir de segunda-feira (4) ela volta a realizar tratamento psicológico. Ao trabalho, ela deve retornar até quinta (7). Uma das amigas de Karina segue internada em Porto Alegre, por quem ela fica torcendo pela recuperação.

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 236 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores:

- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas fatais tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.

Prisões
Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.

Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.

O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.

Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.

O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.

Responsabilidades
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.

A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.

Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".

A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.

O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.
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