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Quarta-feira, 07 de agosto de 2024

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Depois da guerra, Faixa de Gaza vira 'ilha à deriva'

Dezenas de famílias ainda vivem em tendas no meio dos edifícios destruídos e da tubulação enferrujada. Com a proibição do comércio de materiais de construção, alguns estão construindo casas de tijolo de barro. Tudo tem de ser contrabandeado através dos túneis dos desertos do Egito. Entre os itens mais procurados, um analgésico capaz de causar dependência, usado para combater a depressão.


Quatro meses depois que Israel iniciou uma guerra para impedir o lançamento de mísseis do Hamas, e dois anos depois que o Hamas tomou absoluto controle sobre a faixa litorânea, Gaza é como uma ilha à deriva. Pressionada por fora, por um boicote de Israel e do Egito, e por dentro, por seus líderes islâmicos, 1,5 milhão de pessoas aqui foram privadas de qualquer produtividade ou esperança.

"Logo depois da guerra, todo mundo veio – jornalistas, governos e ajudas estrangeiras, prometendo ajudar", disse Hashem Dardona, 47 anos, desempregada. "Agora, ninguém vem."

No entanto, com a administração Obama pressionando Israel para permitir a entrada de materiais de reconstrução, e com a atenção crescente focada nas divisões palestinas internas, Gaza logo voltará ao centro das negociações de paz do Oriente Médio.

Para muitos israelenses, Gaza é um símbolo de tudo que há de errado com a soberania palestina, que eles enxergam, cada dia mais, como uma oportunidade para forças anti-israelenses, notavelmente o Irã, chegarem à área de alcance dos mísseis. A não ser que seja descoberta uma forma de atar Gaza à Cisjordânia, politicamente e geograficamente, ao mesmo tempo em que se mitigam os temores de Israel, um estado palestino parece mais distante do que nunca.

Isso deixa Gaza suspensa, em uma situação de miséria que desafia qualquer categorização. É claro, o lugar é povoado e pobre, mas está melhor que quase todas as regiões da África e parte da Ásia. Não existe subnutrição aguda, as taxas de mortalidade infantil se comparam às de países como o Egito e a Jordânia, segundo Mahmoud Daher, da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Isso se deve ao fato de que, apesar de Israel e Egito fecharem suas fronteiras durante os últimos três anos, em um esforço para pressionar o Hamas, Israel distribui ajuda diariamente, permitindo a entrada de cerca de cem caminhões com alimentos e remédios. Oficiais militares de Tel Aviv contam as calorias, para evitar um desastre. A agência da ONU para refugiados palestinos administra escolas e clínicas médicas, que são limpas e eficientes.

Porém, existem muitos níveis de privação além da catástrofe, e Gaza habita na maioria deles. O lugar não possui nada parecido com uma economia operante, com exceção do comércio e da agricultura básica. A educação piorou terrivelmente; o serviço médico tem caído em qualidade.

Frustração


Existem dezenas de milhares de pessoas instruídas e ambiciosas aqui, professores, engenheiros, tradutores, administradores, que não têm nada a fazer, a não ser ficarem cada vez mais frustrados. Eles não podem praticar suas profissões, nem sair do país. Eles recebem ajuda externa e fumam em cafés. Uma pesquisa da ONU mostra um aumento repentino da violência doméstica.

Muitas pessoas afirmam terem começado a tomar uma pequena cápsula conhecida como Tramal, o nome comercial para um analgésico similar a um opiato, que aumenta o desejo sexual e a sensação de controle. O Hamas recentemente lançou um alerta de prisão àqueles que traficam ou consomem a droga.

Mesmo assim, as pílulas chegam, junto com as roupas, móveis e cigarros, através das centenas de túneis cavados no deserto, ao sul da cidade de fronteira de Rafah, através de empreendedores que pagam um imposto às autoridades do Hamas pelas mercadorias.

Túneis similares também servem como canal para armas. Israel periodicamente os bombardeia, na esperança de enfraquecer o Hamas, que afirma que nunca irá reconhecer Israel e se reserva o direito de usar violência contra o inimigo, até que ele saia da terra conquistada na guerra de 1967. Depois disso, haveria um cessar-fogo de dez anos de duração, enquanto os próximos passos seriam contemplados, apesar de que o Hamas defende a destruição de Israel em qualquer fronteira.

Estado de sítio

Israel começou o estado de sítio logo depois que o Hamas obteve uma vitória surpreendente nas eleições legislativas palestinas, em 2006. Ele foi mais severo depois que o Hamas expulsou inteiramente a Autoridade Palestina de Gaza, em junho de 2007, com mais quatro dias de batalhas nas ruas. O apoio iraniano ao Hamas se somou à convicção israelense de que o estado de sítio é o caminho certo.

O objetivo é manter Gaza na subsistência e oferecer um contraste com a Cisjordânia, que, em teoria, se beneficia com a ajuda externa e o desenvolvimento econômico e político. Defensores do Hamas, então, se dariam conta de seu erro. O plano não tem dado certo. Em parte porque a Cisjordânia sob a ocupação de Gaza não é a ideia de paraíso de ninguém, e em parte porque o Hamas aparente ter mais controle a cada ano, com ruas mais limpas e menos criminalidade, apesar de sua popularidade ser difícil de ser medida.

"O Hamas está aprendendo com seus próprios erros e se fortalecendo cada vez mais", disse Sharhabeed al-Zaeem, importante advogado daqui. Ele e outros têm solicitado urgentemente a oficiais estrangeiros que permitam a entrada de materiais de construção e outros bem em Gaza, através de entradas fechadas.

Eles sustentam que o sistema atual só serve ao Hamas, já que ele taxa os bens ilícitos e as trocas limitadas em espécie, e não é culpado pelas pessoas pelo estado de sítio. Se vidro e cimento fossem permitidos através das fronteiras com Israel, dizem eles, o Hamas não teria o crédito e a Autoridade Palestina poderia coletar os impostos.

"As pessoas em Gaza estão deprimidas, e pessoas deprimidas recorrem ao mito e à fantasia, quer dizer, religião e drogas", disse Jawdat Khoudary, da área de construção. "Esse tipo de prisão alimenta o extremismo. Deixa as pessoas olharem para fora, que vejam uma versão diferente da realidade."

Oficiais israelenses permanecem céticos em relação à abertura das fronteiras. Muitos acreditam que a guerra serviu como ameaça e observam a drástica redução nos mísseis como evidência. Eles temem que o aço ou o cimento sejam transformados em armas pelo Hamas. No entanto, eles sentem a pressão dos americanos e das Nações Unidas, e discutem um projeto-piloto.

Estado do Hamas

Enquanto isso, Gaza se parece cada vez mais como um estado do Hamas e menos ligada à Cisjordânia. Mais homens têm barba, mais mulheres estão se cobrindo. O Hamas é o principal empregador. As escolas e os tribunais, antes administrados pela Autoridade Palestina, dominada pelo Fatah, são todos do Hamas desde que o governo da Cisjordânia ordenou que seus empregados ficassem em casa. O governo está coletando informações sobre empresas e organizações não-governamentais e buscando controlar suas atividades.

Muitas pessoas aqui se preocupam especialmente com os jovens e suas perspectivas. Em um programa criado para ajudar aos traumatizados pela guerra de janeiro, adolescentes recebem canetas coloridas para desenhar o que quiserem, diz Farah Abu Qasem, 20 anos, estudante de tradução de inglês e voluntária do programa.

"Eles parecem só escolher a cor preta e desenham coisas como tanques", disse ela. "Quando pedimos para desenhar algo que represente o futuro, eles deixam o papel em branco".
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