Olhar Direto

Terça-feira, 23 de julho de 2024

Notícias | Brasil

“Recebi só metade do corpo do meu irmão”, diz parente de vítima de desabamento em SP

Leidiano Teixeira Barbosa, de 27 anos, foi uma das dez vítimas mortas no desabamento de um prédio em São Mateus, na zona leste de São Paulo, no dia 27 do mês passado. Durante a coletiva em que uma associação de parentes das vítimas anunciou ações de mais de R$ 5 milhões contra os responsáveis pela obra, o irmão de Leidiano, Wesley Teixeira Barbosa, revelou que não recebeu parte do corpo do irmão para enterrá-lo no Maranhão.


Em tom emocionado e cheio de revolta, Wesley disse que não teve nenhuma assistência da Salvatta Engenharia, empresa que era responsável pela obra na época do desabamento. Tampouco o Magazine Torra Torra, que contratou a Salvatta e alugou o imóvel, ou o dono da área, Mostafa Abdallah Mustafá, ajudaram os familiares nas semanas subsequentes à tragédia.

Pior do que o que ele e os demais integrantes da Associação de Proteção e Assistência às Vítimas do Desabamento de São Mateus passaram, com a perda de entes queridos e o descaso dos responsáveis, foi o cenário que Wesley encontrou ao chegar em Barra do Corda (MA), pequeno município a 462 km da capital São Luis.

— Quando cheguei lá, abri o caixão e você não acredita: da cintura pra baixo (do corpo de Leidiano) só tinha papel picado. Sabe o que é isso? É humilhação. Não se faz isso nem com cachorro.

Ele ainda contou um quadro parecido com os demais familiares presentes na coletiva, que falaram dos sonhos perdidos dos operários que morreram e das mulheres, filhos, pais e mães que deixaram no Maranhão em busca dos seus sonhos na capital paulista.

— Ali não foi acidente. Aquilo ali foi uma arapuca, pessoas que só pensavam no próprio benefício e não nas vítimas. Pessoas deixaram filhos, família inteira lá e eles não pensaram neles, só pensaram em enriquecer. Se tivessem dignidade, a partir do momento em que embargaram a obra, eles deveriam ter dito que não havia condições de ficar ali. É o que me indigna. Lá tinham seres humanos. Algum encarregado ou engenheiro morreu? Não, porque eles sabiam dos riscos.

Mãe de vítima conhece dono da Salvatta desde pequeno

Já uma senhora de idade, Maria Iris Barbosa perdeu o filho, Raimundo Barboza de Souza, de 38 anos, e não se conforma com o que considera um “desrespeito” do engenheiro Salvador Alves de Oliveira, dono da Salvatta. Ela diz que o conhece desde pequeno e até mesmo a sogra do proprietário da construtora ainda mora em Imperatriz (MA), de onde muitos dos operários que morreram ou ficaram feridos eram naturais.

— Ele (Salvador) sempre ia pra lá. Ele sumiu, não deu satisfação pra ninguém. O meu irmão ainda ligou pra ele e ele disse “mande a mãe do Sorriso (apelido de Raimundo) vir que eu resolvo tudo com ela numa boa”. Eu fui ao escritório e não deram nem as caras. Até hoje, nunca nem me ligaram, os meus telefones eles têm e nunca deram satisfação. E assistência muito menos. Só não estou no meio da rua porque estou na casa da minha irmã.

Maria de Fátima Ferreira dos Santos, mãe do operário Felipe dos Santos, de 20 anos, uma das dez vítimas que morreram no desabamento, foi escolhida para presidir a associação. Ela disse que, nos poucos contatos que conseguiu obter com responsáveis pela Salvatta, ouviu coisas que considerou inaceitáveis, como a proposta de levar os corpos dos mortos em uma perua, ou algo ainda pior.

— Nós os procuramos e nos disseram que primeiro cuidariam dos vivos, depois dos mortos. Me senti tão revoltada que dormi com febre, pensando no que tinham me dito.

Outra proposta ainda envolveu um possível pagamento de R$ 25 mil (recusados pelas famílias), dos quais seriam descontados os custos do translado dos corpos. A associação disse ainda que a Salvatta continua trazendo operários do Maranhão, mesmo depois da tragédia de São Mateus. Uma obra da empreiteira em Sorocaba, no interior paulista, estaria em andamento com uma maioria de trabalhadores da mesma região dos mortos e feridos há quase um mês.

Acusados por parentes se defendem

A reportagem do R7 encontrou em contato com as assessorias do Magazine Torra Torra, da Salvatta e com o advogado de Mustafá. A primeira disse “não ter sido notificada” e que “prestará os esclarecimentos necessários nos autos”, quando for questionada na Justiça.

Já a Salvatta enviou uma nota com a sua posição, afirmando que "cumpriu todas as obrigações legais com as famílias dos funcionários envolvidos no trágico acidente, cumprindo o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado com o MPT (Ministério Público do Trabalho)". A empreiteira disse ainda ser "vítima da incúria dos proprietários do imóvel" e que "jamais exporia nenhum dos seus colaboradores a risco, nunca tendo havido suspeita de que um desabamento pudesse ocorrer".

Já o advogado Edilson Carlos dos Santos disse não estar mais representando Mustafá na questão do desabamento. O R7 então entrou em contato com o escritório do dono da área, mas ele não estava e sua secretária ficou de dar retorno, o que não ocorreu até a publicação desta reportagem.
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
Sitevip Internet