Uma jovem de Santos, no litoral de São Paulo, enfrentou um procedimento inusitado durante uma cirurgia no cérebro para curar constantes convulsões. Após decidir fazer a intervenção, a administradora Ana Carolina Lima da Costa, de 23 anos, descobriu que teria que ficar acordada durante o procedimento. O jeito foi se preparar psicologicamente para o momento e confiar no médico. A cirurgia foi um sucesso. Dois meses após o procedimento, ela conta como foi a experiência e fala da felicidade de estar curada.
A jovem conta que começou a ter convulsões há dois anos. "Descobri quando estava trabalhando e senti um mal estar. Fui falar para uma amiga que eu queria beber água, mas disse que preferia escrever. Percebi que estava tendo dificuldade, trocava verbos e algumas palavras eu esquecia", conta.
Nas crises, Ana Carolina sentia mal estar, dificuldade para falar certas palavras, uma sequência de tremores e dormência na perna e no braço direitos, além de ficar sem força e com dor de cabeça. Após passar por uma consulta médica, ela fez exames que comprovaram uma malformação no cérebro e um cavernoma (tumor benigno) – que, dependendo da localização, poderia trazer grandes transtornos neurológicos. A lesão de Ana Carolina ficava na área do cérebro responsável pela compreensão e pela fala.
Como ela é jovem, os médicos acharam melhor acompanhar o caso. Enquanto isso, ela tomava medicamentos para evitar as convulsões. Mas Ana Carolina teve outras crises que a levaram a uma internação. "O tumor aumentou, e o sangramento interno desta vez foi mais forte", diz a administradora, que ficou mais de 15 dias no hospital.
Ana Carolina foi buscar médicos especialistas para o tratamento e teve contato com o neurocirurgião Marcus Vinicius Serra, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, e da Casa de Saúde de Santos. O profissional indicou uma cirurgia para a retirada da lesão, sem deixar sequelas e mantendo a qualidade de vida da paciente. O problema é que o procedimento seria feito com a jovem acordada.
A paciente não pensou duas vezes em aceitar a operação. Ela não queria mais sofrer com as convulsões, que já tinham passado de cinco. "Eu já tinha ouvido falar, mas não sabia que era o meu caso", afirma. O neurocirurgião explicou que, se a jovem fosse realizar uma cirurgia neurológica normal, teria mais risco de ficar com sequelas, como perda da compreensão e da fala, além de poder ficar com um lado do corpo paralisado.
Já nesse novo procedimento, em que Ana Carolina teria que ficar acordada, havia apenas 5% de risco de sequelas. "Pelo que eu saiba, foi a primeira vez em Santos [que uma cirurgia como essa foi feita]. Mas, em São Paulo, a gente já fez algumas desse jeito", diz o médico.
A operação foi realizada no dia 31 de outubro do ano passado. A paciente tomou um anestésico de curta duração, que bloqueou todos os nervos que se direcionavam para a cabeça dela. Os médicos colocaram uma máscara laríngea na jovem, para ventilação pulmonar, e sua cabeça foi totalmente presa. Em seguida, os médicos abriram o crânio dela e usaram uma espécie de GPS para navegar em tempo real pela região.
Logo depois, Ana Carolina acordou e começou a conversar com uma fonoaudióloga e com os médicos. Ela teve que olhar imagens e falar o nome dos objetos. Enquanto isso, uma espécie de caneta, chamada de "estimulador cortical", foi usada pelos cirurgiões para mapear os pontos onde a jovem apresentava hesitação na fala, podendo, assim, escolher o melhor local para alcançar o tumor.
"A gente vai encostando a caneta que está ligada a um aparelho e isso interfere na condução dos neurônios. Naquela área que ela errava a resposta, eu não podia mexer. A gente sabe por anatomia onde é a área do cálculo, do discurso, da compreensão e da fala. A gente mapeou toda a área do cérebro e fez de um jeito para entrar e conseguir retirar o problema sem deixar sequelas. A área da fala dela estava 4 mm mais para baixo. Se a gente tivesse feito só pela anatomia, ela estaria sequelada hoje", explica o médico.
Antes de fechar a cabeça da jovem, os médicos deram outro medicamento para que ela conseguisse dormir. Assim, a equipe teve condições de terminar o procedimento cirúrgico. Toda a operação demorou cerca de duas horas. "Nos primeiros dias, dá um pouco de dor, mas o procedimento é rápido. Não fiquei nervosa", revela Ana Carolina.
O neurocirurgião diz que não é possível fazer o procedimento com qualquer paciente, pois é preciso muito preparo psicológico. Se a pessoa se desesperar, o médico tem que sedá-la e não é possível fazer a operação. Já a jovem conta que conseguiu manter a calma graças à equipe médica. "Eu estava muito confiante neles. Depois de dois anos sofrendo, eu sabia que era aquilo ou nada", afirma Ana Carolina.
Após a cirurgia, ela teve que ficar em repouso durante alguns dias. No começo, apresentou falhas na fala e na compreensão de textos e imagens, como era previsto pelos médicos. O problema, porém, foi desaparecendo com o passar dos dias.
A administradora conta que se sente muito melhor agora. "Minha qualidade de vida é muito boa. Em breve, vou poder fazer coisas que eu não fazia por causa do tumor, como praticar esportes, exercícios", destaca. Ela continua tomando remédios contra o problema e tendo acompanhamento médico e por exames. "A chance de o tumor voltar é muito pequena", garante o neurocirurgião.
Agora, Ana Carolina pretende passar o ano sem crises neurológicas. Ela deve voltar a trabalhar na segunda quinzena deste mês e quer guardar os vídeos da cirurgia para lembrar dos momentos em que participou acordada. "Minha família ficou muito feliz e me deu muito apoio. Eu nunca vou esquecer aquele Halloween", brinca, fazendo referência ao dia da operação, no qual também é celebrado o Dia das Bruxas em vários países.