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Domingo, 21 de julho de 2024

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'Nunca viam os 4 juntos', diz vizinha da família de menino morto no RS

Luto, horror e protestos por justiça. A cada esquina, a cada roda de conversa, o assunto é o mesmo. Moradores de Três Passos buscam explicações para a morte do menino Bernardo Boldrini, que abalou o pequeno município da Região Noroeste do Rio Grande do Sul. Inconformados, vizinhos da família comentam que a criança parecia distante do pai, Leandro Boldrini, e da madrasta, Graciele Ugolini Boldrini. Junto com Edelvania Wirganovicz, amiga do casal, eles são os principais suspeitos do crime. Os três tiveram a prisão temporária decretada e estão detidos em local não revelado pela polícia.


O menino de 11 anos estava desaparecido desde o dia 4 de abril. O corpo dele foi encontrado enterrado em um matagal na noite de segunda-feira (14) no interior de Frederico Westphalen, a cerca de 80 quilômetros de Três Passos. Segundo a Polícia Civil, o garoto foi morto com uma injeção letal, o que ainda deverá ser confirmado pela perícia.

Cartazes com ofensas como "monstros imundos" tapam a grade da casa onde a família mora, na Rua Gaspar Silveira Martins, no Centro da cidade. Moradores dizem não entender o porquê de tanta crueldade. Dizem que Bernardo era um menino abandonado, isolado e carente.

"Ele era amigo do meu menino, Emanuel. Os dois brincavam juntos, ele já foi lá em casa e tudo. As pessoas da vizinhança adoravam ele, ele pingava de casa em casa, passava finais de semana na casa dos amigos", conta a vizinha da casa ao lado, Ivonete Soranzo, 36 anos. "Ninguém percebia nada de estranho, mas a gente via que era um menino abandonado. Faltava amor e carinho, isso era visível", diz.

Vizinhos contam que, depois que a mãe de Bernardo morreu, ele passou a ser "rejeitado" pela madrasta, que tem uma filha pequena com o pai dele que, desde que nasceu, sempre foi a preferida. "As pessoas nunca viam os quatro juntos. Nunca. E todo mundo comentava isso. O Bernardo foi praticamente adotado pela vizinhança", recorda Maria Guimarães, 30 anos, cuja mãe mora em frente à casa da família.

Quando o assunto é o pai, um renomado clínico geral da região, os vizinhos descrevem um homem calmo, gentil e educado. É considerado um profissional de referência, a quem todos procuravam para consultar. Na especialidade em que trabalha, não há melhor, dizem pacientes. A agenda estava sempre lotada.

"Ele é muito bom profissional. Não tem do que reclamar. Sempre foi o meu médico. Meu médico... nunca pensei que ele fosse se envolver numa coisa dessas", salienta, emocionada, a aposentada Celina Schwingel, 60 anos. "Ele era gente boa, um cara muito tranquilo", completa o taxista Edson Rohr, que diz ter consultado com o pai do menino "algumas vezes".

Um colega de trabalho de Leandro foi à Delegacia Regional de Três Passos nessa terça-feira para prestar um depoimento, que durou mais de duas horas. Segundo a polícia, ele pode ser uma peça-chave para o quebra-cabeça. Acompanhado da esposa, Sílvio, como foi chamado pelos investigadores, preferiu não falar com o G1.
Juiz se sentiu 'enganado'

O juiz Fernando Vieira dos Santos, 34 anos, da Vara da Infância e Juventude de Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul, não escondeu o abalo com a morte de Bernardo. No início do ano, ele autorizou que o garoto continuasse morando com o pai, após o Ministério Público (MP) instaurar uma investigação contra o homem por negligência afetiva e abandono familiar.

Pai é referência médica

Comovido com o caso, o juiz ressaltou ter tomado a providência padrão ao priorizar a reinserção dos vínculos familiares, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas reconheceu: jamais imaginou o desfecho trágico. "O Bernardo foi enganado. E eu me senti enganado. Assim como ele eu não sabia que ele estava sendo levado para Frederico Westphalen", disse o magistrado.

De acordo com o MP, desde novembro do ano passado o pai de Bernardo era investigado por suspeitas de negligência afetiva. Mas jamais houve indícios de agressões físicas. Em janeiro, o garoto foi ouvido pelo órgão e chegou a pedir para morar com outra família.

No início do ano, o médico pediu uma segunda chance. Com a promessa de que buscaria reatar os laços familiares com o filho, ele convenceu a Justiça a autorizar uma nova experiência. Na época, a avó materna, que mora em Santa Maria, na Região Central do estado, chegou a se disponibilizar para assumir a guarda. Porém, conforme o MP, Bernardo também concordou em continuar na casa do pai e da madrasta.

"Isso é dito no Estatuto da Criança e do Adolescente. A reinserção dos vínculos familiares é a providência padrão. Não imaginávamos que tivesse esse desfecho", enfatizou o juiz.

A decisão do magistrado também teve apoio do MP. Na ocasião, a promotora da Infância e Juventude de Três Passos, Dinamárcia Maciel, entrou em consenso com a Justiça. "Não dá pra trabalhar com o imprevisível", justificou a promotora.

Velório comoveu comunidade
Após ser velado em Três Passos, o corpo de Bernardo chegou por volta das 20h a Santa Maria, na Região Central, onde reside a avó materna da família do menino. O enterro está programado para ocorrer às 10h desta quarta (16), no Cemitério Municipal de Santa Maria. O corpo será sepultado ao lado do túmulo da mãe do garoto, que morreu em 2010. Conforme a polícia, ela cometeu suicídio.

Durante a manhã e boa parte da tarde, Bernardo foi velado no ginásio do Colégio Ipiranga, onde ele estudava, em Três Passos. A cerimônia foi marcada pela comoção de moradores do município de cerca de 24 mil habitantes.
Colegas de aula estavam presentes na cerimônia. "Mesmo diante de todo o sofrimento que passava, sempre tinha um sorriso no rosto. Ensinou pra todos que era preciso ser forte para superar todas as dificuldades", contou a estudante Angélica Rodrigues, de 12 anos, amiga de Bernardo. As aulas no Colégio Ipiranga foram suspensas até a semana que vem.
O suposto distanciamento entre Bernardo e o pai também foi destacado por famílias que conheciam o garoto. As buscas por Bernardo já haviam mobilizado a comunidade escolar. "Procuramos incansavelmente. Estamos frustrados", comentou a psicóloga do colégio, Denise Helena Escher.
A escola divulgou uma nota lamentando a "cruel morte" de Bernardo e decretou luto oficial de três dias. "O Colégio Ipiranga chora com o partir de seu aluno. O teu sorriso viverá no coração de cada um de nós que aqui estamos chocados com a forma que partiste. Bernardo, que Deus te guarde e que vivas no amor de todos os colegas e professores que rezaram e ainda rezam por ti", diz o texto.

Avó e ex-babá relatam maus-tratos
Avó materna do menino de 11 anos, a aposentada Jussara Uglione, 73 anos, disse nesta terça-feira (15) que a criança era maltratada. Segundo Jussara, o pai de Bernardo e a madrasta não permitiam que ela visitasse o garoto desde que sua filha e mãe da criança morreu.
“O menino sofria maus-tratos. Ela (madrasta) não deixava ele entrar em casa enquanto o pai não chegasse. O menino ficava sentadinho na calçada. A Justiça sabia disso porque toda a vizinhança via ele sentado na calçada”, disse Jussara. A avó vive em Santa Maria, na Região Central do estado.

Uma ex-babá do menino também afirmou que o garoto recebia pouca atenção do pai e da madrasta. A mulher trabalhou na casa da família por dois anos. "Ela sempre afastava o menino dela. Agredia com palavras", diz Helaine Marisa Wentz, ex-babá do menino.
Amigos da família disseram que Bernardo não tinha outros parentes na cidade. A mãe dele morreu em fevereiro de 2010, aos 30 anos. Segundo a Polícia Civil, a mulher cometeu suicídio com um tiro na cabeça no consultório médico do ex-marido, pai do garoto.

Caso corre em segredo de Justiça
A investigação corre em segredo de Justiça e poucos detalhes são fornecidos à imprensa. Entretanto, de acordo com a delegada, a amiga do casal relatou à polícia onde o corpo de Bernardo estava enterrado.
A Polícia Civil disse ter certeza do envolvimento do pai, da madrasta e da amiga da mulher no sumiço do menino. "Precisamos identificar o que cada um fez para a condenação", afirmou aos jornalistas. Os três estão presos preventivamente por 30 dias.
De acordo com a família, Bernardo Boldrini havia sido visto pela última vez às 18h do dia 4 de abril, quando ia dormir na casa de um amigo, que ficava a duas quadras de distância da residência da família. No domingo (6), o pai do menino disse que foi até a casa do amigo, mas foi comunicado que o filho não estava lá e nem havia chegado nos dias anteriores.
No início da tarde do dia 4 de abril, a madrasta foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A mulher trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen.
"O menino estava no banco de trás do carro e não parecia ameaçado ou assustado. Já a mulher estava calma, muito calma, mesmo depois de ser multada", relatou o sargento Carlos Vanderlei da Veiga da PRF. A madrasta informou que ia a Frederico Westphalen comprar um televisor.
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