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Quarta-feira, 17 de julho de 2024

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No Rio Grande do Sul, cem doentes deixam maior manicômio

Cláudio (nome fictício), 52, está se preparando para uma mudança: nos próximos meses deve deixar o manicômio judiciário em que vive há 28 anos. Ele já tem a sentença favorável, e visita semanalmente uma residência terapêutica para saber lidar com a futura liberdade.


O lugar que deixará para trás é o IPF (Instituto Psiquiátrico Forense, manicômio judiciário gaúcho), um prédio decorado com bandeirinhas juninas, mas cujo clima nem de longe indica uma festa. Basta abrir a porta de um dos quartos para ler a palavra "morte" escrita duas vezes no interior de uma cela.

Rogério Cardoso, diretor da instituição, diz que "o sistema penitenciário não é o melhor lugar para tratar um doente".

O IPF é o manicômio judiciário com maior população no país: são 653 pessoas internadas ou em alta progressiva (regime em que o doente volta para casa, mas reapresenta-se ao IPF a cada três meses) e 34 em tratamento ambulatorial, geralmente aplicável a crimes menos graves.

Ali, os pacientes são divididos em unidades: admissão e triagem, internação fechada para psicóticos, para usuários de drogas e, por fim, as alas abertas.

Na unidade de triagem e admissão o visual é semelhante ao de uma cadeia: por fora, cercas e grades separam o prédio dos demais. Por dentro, uma cela individual é retrato dos problemas do IPF: chão de cimento, cama de concreto, a inscrição "Zé Camilo" gravada em uma das paredes, com fezes fazendo o papel de tinta, e um Mosquitinho ou Teresa na outra --forma como é chamada a prática de queimar papel higiênico grudado na parede das celas.

Quando a Folha visitou a instituição, um forte cheiro de queimado vinha de uma das celas. A unidade, com capacidade para 24 pessoas, abrigava 23 pacientes. A ausência de superlotação foi considerada um milagre por Cardoso --30 pessoas é uma lotação comum na ala.

Para evitar que os detentos tenham contato com material elétrico, até o chuveiro fica do lado de fora da cela. A água chega por uma mangueira, às 9h.

Em um dos pavilhões abertos do IPF, o aspecto é melhor: não há fezes nas paredes e o ambiente é revestido de azulejos. Ali o problema é outro: superlotação. Quartos projetados para receber duas pessoas costumam abrigar dez.

No pátio de uma das unidades abertas, o silêncio só é quebrado pelo cumprimento de bom dia do diretor aos pacientes. Além dos passos lentos, os ombros curvados também são característica dos internos. Um deles passa a acompanhar a visita do grupo.

Grupo de trabalho

Desde que assumiu a Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas, responsável pelos casos de doentes mentais infratores, o juiz Clademir Missaggia e um grupo de trabalho discutem semanalmente soluções para desinternação de pacientes do instituto.

Como resultado, desde 2007 cerca de cem internos já saíram do manicômio e hoje são assistidos pela rede de saúde pública do Estado.

Famoso entre o grupo de trabalho pelo vocabulário refinado que costuma usar, composto de expressões como temperança, psique e senso convivencial, e pelo gosto por filosofia, Cláudio diz o que espera do retorno à sociedade: "A introdução coesa no sistema de pessoas vinculadas a regras locais". Para ele, que deve ir para uma residência terapêutica, talvez as bandeirinhas juninas do IPF sejam motivo de festa.
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