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Quarta-feira, 17 de julho de 2024

Notícias | Brasil

Nova metodologia reduziria em 91% a contabilidade de mortes por bala perdida

Alexsander Conti tinha receio de perder a mãe para o diabetes. Desde menino, acompanhava a luta de Maria Helena Taveira dos Santos contra a doença. Aos 63 anos, ela já não enxergava nem andava mais. Debilitada, a idosa passava o tempo sentada na porta de casa, em Del Castilho. E foi ali, na noite de 15 de março deste ano, um domingo, que a aposentada foi morta por um tiro no peito. Alexsander perdeu a mãe para a violência.


Maria Helena foi uma das 46 pessoas mortas por balas perdidas no Rio, além de 254 feridas, entre janeiro de 2014 e junho deste ano, de acordo com levantamento feito pelo EXTRA. Entraria também na contagem feita pelo Instituto de Segurança Pública, já que o registro de sua morte trás a expressão “bala perdida”. Com a nova metodologia que o ISP e a Polícia Civil querem implantar até o fim deste mês, porém, a morte da idosa some das estatísticas. O segundo dia da série “Estatística de Festim” mostra que a mudança reduziria para quatro o número de mortos (91% a menos) e 126 o de feridos (cairia pela metade) no mesmo período.

Dessa forma, entrarão nos relatórios do ISP apenas os casos em que se desconheça de onde partiu o disparo. Ficará de fora o que a sociedade considera bala perdida: um inocente atingido no meio do bangue-bangue. Da Rua Genésio de Barros, onde vivia Maria Helena, é possível ver o Complexo do Alemão. O EXTRA levantou que, naquela noite, houve dois tiroteios entre traficantes e PMs, na Nova Brasília. A possibilidade de um desses projéteis ser o que matou a aposentada a excluiria da contabilidade.

— Na prática, não conseguimos usar o conceito popular (de bala perdida). Temos que ter parâmetros objetivos. Se sabemos a dinâmica, não é bala perdida — defende o chefe de Polícia Civil, delegado Fernando Veloso.

Pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), a cientista social Sílvia Ramos discorda:

— Essa estatística do ISP ficará ainda mais distorcida. A população entende bala perdida como aqueles casos nos quais a pessoa é ferida sem ter participação no fato. É um retrocesso criar uma categoria que não corresponde ao risco real. A polícia está se afastando da sociedade.
O sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, vai além:

— A mudança proposta será um grande erro metodológico e político. O número (de vítimas) parecerá muito menor do que realmente é.

Para o antropólogo Paulo Storani, ao desconsiderar crimes nos quais a vítima não foi atingida por tiro intencionalmente, o Estado tira a visibilidade dos casos e prejudica a elaboração de políticas de segurança, não combatendo de forma eficaz a violência.

Alexsander Conti lamenta:

— A morte da minha mãe foi só mais uma. A culpa do que aconteceu é do Estado.
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