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Domingo, 28 de julho de 2024

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Com combates chegando ao fim, Sri Lanka teme por seu futuro

O frustrado lojista, um homem de meia-idade da etnia tamil, mexeu furtivamente numa pilha de camisas e puxou uma sacola de plástico. Dentro dela havia outra sacola, que continha um jornal no idioma tâmil, dobrado – não proibido, disse ele, mas que seguramente levantaria suspeitas entre seus vizinhos cingaleses e as autoridades.


"Neste governo, ninguém pode falar contra eles", disse o lojista, amedrontado demais para dar seu nome. "Se eu falar, talvez você não me veja aqui amanhã. Eu poderia desaparecer."

Após mais de 25 anos de derramamento de sangue, a guerra entre o governo e os separatistas da etnia tamil pode estar em seus estágios finais no norte do país. Mas, mesmo com o fim da guerra convencional, o ódio e o ressentimento provavelmente perdurarão para muitos tâmeis no norte – ódio do que eles chamam de décadas de marginalização oficial, e ressentimento pelo que consideram como políticas educacionais discriminatórias e a supressão do idioma tâmil pelas administrações – dominadas pela maioria budista cingalesa. 

Até que esses assuntos sejam abordados, e a menos que a guerra termine em termos justos, muitas pessoas daqui – tâmeis e cingaleses – temem que a guerra não acabe e simplesmente mude de forma, à medida que uma nova geração de tâmeis chega à maturidade em meio ao descontentamento.

"Os jornais do governo estão simplesmente contando mentiras, mas nossos jovens garotos tâmeis estão sabendo sobre todas as pessoas mortas pelo exército no norte", diz o lojista. "Esses garotos estão se tornando jovens leões. Eles crescerão e se transformarão em leões adultos. Você verá."

É difícil avaliar as alegações do governo sobre os combates, pois há restrições ao acesso de jornalistas independentes à zona de guerra. Mas, com a batalha indo claramente em seu favor, o governo agora está aparentemente determinado a subjugar os insurgentes do grupo Tigres da Libertação de Tâmil Eelam, também conhecidos como os Tigres Tâmeis, de uma vez por todas.

Os rebeldes estão recuados a um pequeno canto de floresta junto à costa nordeste do Sri Lanka, tendo visto seus fortes progressivamente derrubados. O secretário de defesa recusou ligações de Estados Unidos, Inglaterra, Japão e União Europeia, que buscavam uma trégua negociada; ele disse que os militares continuariam pressionando a luta até que os Tigres Tâmeis se rendessem incondicionalmente.

O que acontecerá depois disso está nas mentes de muitos tâmeis e outros, que temem que os insurgentes simplesmente troquem a guerra convencional por guerrilhas e táticas terroristas, como o uso de homens-bomba – algo que já utilizaram antes, mesmo na capital, Colombo.

Hoje, soldados mal-encarados montam guarda em quase todos os quarteirões no centro de Colombo, conferindo rostos, identidades e qualquer coisa que pareça fora do comum. E isso muitas vezes significa revistar qualquer pessoa que pareça ser da etnia tâmil.

Mesmo se os rebeldes forem derrotados, o bloqueio de segurança, e o medo e ressentimento provocados por ele, devem certamente continuar, dizem as pessoas daqui.

"Esses problemas não serão resolvidos a menos que haja uma solução justa após a guerra", diz S. Thiayaraja, um executivo tâmil na cidade montanhesa de Nuwara Eliya.

Ele diz que tal solução teria de incluir desenvolvimento de escolas, infraestrutura e moradia com financiamento estatal nas áreas tâmeis do norte, assim como alguma autonomia política – com mais tâmeis sendo aceitos no exército, na polícia e no serviço civil.

"A situação tampouco se resolverá antes que Prabhakaran seja encontrado", diz Thiayaraja, referindo-se a Velupillai Prabhakaran, fundador e líder do movimento separatista rebelde, que, segundo se acredita, estaria liderando o último levante contra as forças do governo.

Alguns dizem que Prabhakaran ainda está no comando das forças rebeldes, pronto para lutar até o fim. Mas existem muitas outras teorias sobre seu paradeiro; alguns dizem que ele estaria procurando refúgio no barco de um parente ou se escondendo na Malásia.

Prabhakaran e os Tigres Tâmeis começaram a lutar por uma terra tâmil independente em 1983, com o primeiro ataque do grupo sendo uma emboscada de tropas do governo. Subsequentemente, quando manifestações anti-tâmil deixaram centenas de mortos, a batalha foi totalmente abraçada.

Desde o início da luta do grupo, os Tigres Tâmeis usaram homens-bomba para obter um efeito debilitante, basicamente aperfeiçoando a tática numa brutal campanha contra alvos militares, policiais e civis.

Algo central naqueles ataques foi o uso de mulheres-bomba. Uma delas assassinou Rajiv Gandhi, o primeiro-ministro da Índia, em 1991. Dois anos depois, outra suicida dos Tigres Tâmeis matou o presidente do Sri Lanka, Ranasinghe Premadasa.

Uma mulher-bomba também atacou a comitiva do tenente-general Sarath Fonseka em abril de 2006. O general, comandante do exército do Sri Lanka, se feriu no ataque, e agora está sendo saudado no país por ter levado os militares ao topo do sucesso contra os Tigres Tâmeis. Porém, isso veio com um custo muito alto.

Numerosos relatos de mortes de civis apareceram da zona de guerra nos últimos dias. O governo diz que aproximadamente 100 mil civis permanecem nos bolsões do território dominado por rebeldes, mas as agência de apoio internacional oferecem estimativas duas vezes mais altas.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha diz que centenas de civis foram mortos em bombardeios, e grupos de direitos humanos acusam o governo e os rebeldes de abusos. O Programa Mundial de Alimentos da ONU preveniu sobre uma possível piora na escassez de alimentos nas áreas rebeldes.

A guerra e suas draconianas medidas de segurança espantaram a maioria dos turistas estrangeiros para longe de Colombo. E na turística cidade budista de Kandy, no centro do Sri Lanka, os hotéis, pousadas e spas estão praticamente vazios, mesmo durante o que deveria ser o pico da estação de turismo.

"Três semanas, no máximo", diz um trabalhador tâmil de 54 anos em Nuwara Eliya, quando questionado por quanto tempo os rebeldes, também conhecidos pelas iniciais LTTE, poderiam aguentar. Ele informou seu nome somente como Ramalingam. "O LTTE já está mostrando bandeiras brancas."
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