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Quarta-feira, 24 de julho de 2024

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Casal morto no Pará 'cumpria papel do Estado', diz advogado da CPT

O advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá (Pará), José Batista Afonso, diz que o casal de líderes ambientalistas mortos na semana passada num assentamento perto de Nova Ipixuna cumpria o papel do Estado ao fiscalizar a reserva contra a ação de madeireiros, fazendeiros e grileiros.


Os extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram mortos a tiros numa estrada na Zona Rural do município no último dia 24.

“Quem tinha que fiscalizar a reserva contra a ação de madeireiros era o Ibama. Quem tinha que ajudar na fiscalização contra a entrada de fazendeiros ou grileiros era o Incra, que não fez. Quem tinha que apurar os crimes ambientais era a Polícia Federal, que não fez. Eles acabaram cumprindo um papel que era do Estado. Então a gente tem que concluir que a responsabilidade pelas mortes não foi só de quem puxou o gatilho e de quem pagou. O Estado também tem responsabilidade porque não só se omitiu, foi conivente”, diz.

O advogado explica que a área onde houve as mortes é uma reserva de castanhais de 22 mil hectares cobiçada por madeireiros para a extração de toras e por fazendeiros para a expansão das criações de gado.

“Eles eram vozes principais de oposição e resistência a essa expansão”, diz. No assentamento, há cerca de 300 famílias que vivem da agricultura familiar e extrativismo. Cerca de cinco famílias de lideranças e parentes do casal assassinado deixaram o local após o crime, conta.

'Atividade de risco'
Afonso tinha contato permanente com o casal, que conheceu em 1996, logo quando se mudou de Conceição do Araguaia, no sul do estado, para Marabá. A região acabava de presenciar o massacre de Eldorado dos Carajás.

Recém formado em teologia, ele aceitou um convite para trabalhar na CPT local. Em Marabá, cursou Direito e começou a advogar. Atualmente acompanha cerca de 70 processos relacionados à posse e ocupação de terras e crimes.

“Digo que desenvolvo uma atividade de risco porque, pelo nosso trabalho e nosso apoio a lideranças e movimentos sociais, a gente acaba contrariando o interesse de muita gente poderosa”, diz.

Ele também diz ter recebido ameaças de morte entre os anos de 2003 e 2005, quando atuou num conflito entre famílias sem-terra e um fazendeiro que reivindicava uma área de seis mil hectares. “O fazendeiro que reivindicava a área andou distribuindo algumas ameaças que chegavam até mim também”, conta.

Último contato
O último contato com o casal foi cerca de 15 dias antes do crime. Em momentos diferentes, José Cláudio e Maria do Espírito Santo ligaram para o advogado e disseram que precisavam falar com ele com urgência, mas o encontro não aconteceu.

“Me senti impotente. A gente tinha uma relação muito próxima. Acompanhei tudo desde a criação do assentamento, em 1997. Eles sempre vinham no escritório, eu ia lá no assentamento. A gente encaminhava as denúncias que eles pediam. A sensação de perda é muito grande e de frustração também por não poder ter feito algo a mais pra evitar. Fiquei pensando que, se eles tivessem conseguido chegar [ao escritório da CPT] e falar, a gente teria evitado”, diz.

Ele relata que não chegou a pedir proteção ao casal, mesmo com o agravamento das ameaças.

“A gente pedia sempre para a polícia apurar as denúncias que haviam. Na nossa avaliação, se a reserva tivesse sido protegida pelo Ibama e pelo Incra, eles estariam naturalmente protegidos. O grande problema é que o estado não fiscalizou, não protegeu e deixou que eles tivessem que se deparar com os madeireiros e os grileiros. Aí arrebenta o elo mais fraco da corrente.”
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