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Domingo, 28 de abril de 2024

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Debate das células-tronco motivou o STF a abrir portas ao público pela primeira vez na história

No dia 20 de abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu suas portas ao público pela primeira vez em 178 anos de história. O motivo? O debate sobre o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas para desenvolver curas para doenças que matam ou incapacitam milhões de pessoas.


O professor de física e astronomia Marcelo Gleiser, colunista da Folha, analisou o significado da data no artigo A Célula e o Tribunal, que pode ser lido na íntegra abaixo. O artigo está no livro "Micro Macro 2", da Publifolha, que reúne as melhores colunas do autor publicadas no caderno Mais! de 2004 a 2007.

Leia abaixo o artigo completo A Célula e o Tribunal. 

A CÉLULA E O TRIBUNAL

O dia 20 de abril de 2007 marca uma data que ficará guardada como o dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu, pela primeira vez em 178 anos de história, as portas ao público. Nada como a transparência para alavancar o processo democrático que, sem ela, é inviável. A pauta não poderia ter sido mais apropriada e relevante: a decisão do uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas que visam desenvolver curas para uma série de doenças que matam ou incapacitam milhões de pessoas, do mal de Parkinson e da diabetes às paraplegias causadas por danos à medula.

Fiquei orgulhoso quando soube que 96% dos senadores e 85% dos deputados federais aprovaram a passagem da Lei de Biossegurança em 2005, e que o presidente fez o mesmo. Decisões como esta estão sendo duplicadas pelo mundo afora, ao menos nos países que levam a pesquisa científica a sério, dada a promessa clínica desses futuros tratamentos. Mas meu orgulho durou pouco. Foi durante a sessão aberta do STF, onde 34 cientistas foram convidados para depor sobre a questão das células-tronco e suas implicações éticas, que a natureza do processo ficou clara.

Primeiro, é importante lembrar que a lei parou no STF devido à ação do subprocurador geral da República, Cláudio Fonteles, que a considera inconstitucional. Seu argumento, semelhante ao de grupos conservadores aliados à Igreja, é que assim que o espermatozóide funde-se ao óvulo, está se falando de um ser vivo. Destruir o embrião para extrair-lhe as células-tronco é assassiná-lo. A questão debatida assiduamente pelos cientistas, e que monopoliza a opinião pública, é onde começa a vida.

Entretanto, a resposta é completamente irrelevante para este debate. Isto por que não se está propondo a criação de fábricas de embriões para extração de suas células-tronco, a clonagem de humanos, ou outros cenários funestos que incitam os piores pesadelos de livros e filmes de ficção científica.

O que se propõe é a utilização dos embriões que seriam descartados por clínicas de reprodução por serem inviáveis, como argumentou a pró-reitora de pesquisa da Universidade de São Paulo, a geneticista Mayana Zatz. Que fim mais digno pode ter um embrião condenado à destruição do que participar numa pesquisa que poderá salvar milhões de pessoas? A escolha me parece semelhante, ao menos em parte, aos que doam seus órgãos para transplantes. Ao menos partes de seus corpos poderão ajudar aqueles em necessidade, em vez de apodrecerem sob a terra ou de serem cremadas.

Focar o debate constitucional na questão de onde começa a vida é desviá-lo para o inevitável conflito religioso, tirando seu mérito científico. Não é surpreendente que Fonteles, franciscano, acusou a doutora Zatz, judia, de ser influenciada por sua religião, que diz que a vida começa no nascimento e não na fecundação. Ora, é claro então que a posição de Fonteles é baseada em sua fé e não em qualquer consideração científica. A primeira sessão aberta do STF, um momento histórico para o Brasil, transformou-se numa troca de acusações de cunho religioso. Enquanto isso, milhões de pessoas continuam morrendo e os embriões apodrecendo
nos congeladores ou no lixo.

A questão do uso de embriões - decretados inviáveis para reprodução - na pesquisa médica deve ser separada da questão religiosa. A missão da ciência é aliviar o sofrimento humano. A da religião também. A única inconstitucionalidade aqui é ir contra os votos dos representates do povo e impedir que essa missão seja cumprida.

Artigo publicado orignalmente em 13/05/2007.

"Micro Macro 2 - Mais Reflexões Sobre o Homem, o Tempo e o Espaço"
Autor:
Marcelo Gleiser
Editora: Publifolha
Páginas: 240
Quanto: R$ 37,00
Onde comprar: Nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
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