Olhar Conceito

Terça-feira, 18 de junho de 2024

Notícias | Artes visuais

aldeia Japuíra

Documentário produzido por mulheres indígenas exalta saberes ancestrais da Amazônia e Cerrado

Foto: Reprodução

Documentário produzido por mulheres indígenas exalta saberes ancestrais da Amazônia e Cerrado
Em julho de 2023, os moradores da aldeia Japuíra, do povo Myky, se reuniram na sala de cinema da comunidade para conferir a estreia de um filme especial. Ao se ver na tela, as anciãs Paatau e Kamunu mal podiam segurar a emoção. E de outro lado, igualmente entusiasmadas, estavam as realizadoras do primeiro curta-metragem Myky feito só por mulheres.


Leia também 
Chef abre micro padaria em vila charmosa de Cuiabá com croissants e cinnamons artesanais

"Mopái Pjuta Ãkakeje´u: A roça e os alimentos Myky" exalta saberes ancestrais de cultivo e preparo de alimentos do povo que habita o território Menkü, situado em Brasnorte (MT), paradoxalmente, cercado por grandes lavouras do agronegócio.

As cineastas quiseram contar ao mundo sobre o papel essencial que as mulheres exercem na salvaguarda desses conhecimentos e de como toda a comunidade depende da liderança feminina, nas roças comunitárias e hortas familiares. São as mulheres, em grande parte, as responsáveis pela subsistência e segurança alimentar da comunidade, cultivando e extraindo da natureza, alimentos e ingredientes do Cerrado e da Amazônia.

O povo Myky, que vive em área de transição desses biomas, é reconhecido pelas técnicas de cultivo de sementes crioulas únicas, alimentação saudável e em abundância. Na dieta, estão inseridos todos os alimentos produzidos nas roças do território, como milho, mandioca, batata, cará branco e roxo, amendoim e várias espécies de feijão. Os Myky também praticam o extrativismo da castanha, caju do mato, tucum, pequi, buriti e bacaba, dentre outras frutas silvestres.

O filme, que está pronto para circular por festivais, resulta de um projeto de formação em cinema e audiovisual para mulheres indígenas realizado pela cineasta Jade Rainho. Junto à também cine-educadora Amanda Palma, ensinou sobre as etapas e técnicas de gravação, com foco em documentário. As alunas tiveram acesso a conteúdo de desenvolvimento de argumento, elaboração de roteiro, fotografia, captação de imagem e som, além de montagem.

Uma das realizadoras do filme, Kamtinuwy Myky, conta que o que mais a entusiasmou, em relação às etapas de construção do projeto, foram mesmo as filmagens. "Edição também. Mas eu gosto mesmo é de ir a campo e gravar entrevistas, captar imagens. Esse processo foi muito importante para gente porque aprendemos mais coisas. Vai somar muito. Agora, estamos ansiosas para ver o filme circular", se anima. Com Kamtinuwy, compartilham o roteiro e direção, as cineastas, Kojayru Myky, Mãnynu Myky, Njãkyru Myky, Njãwayru Myky, Takarauku Myky e Tipuu Myky.

Tendo como ponto de partida um argumento escrito por Jade Rainho, as jovens desenvolveram a pesquisa e roteiro, escolhendo as mulheres da comunidade que seriam retratadas, a forma e os assuntos a serem abordados. A partir daí se lançaram no processo, da produção à edição. 

A pós-produção e distribuição ficaram por conta da Cadju Filmes e sua rede de parceiros. Caso da artista visual Raiz Rozados, que assina a ilustração do cartaz. "Feito por uma mulher com raízes indígenas e pintado com terra, em sintonia com o tema. Homenageando também a cineasta Mãnynu Myky, uma de nossas alunas que se encantou." 

Estímulo ao protagonismo feminino

Jade conta que desde 2012, com oficina em território Xavante, ministra oficinas para jovens indígenas. Com os Myky, passou a compartilhar conhecimentos em 2019, quando acompanhou a cine-educadora Amanda Palma no território. Foi a partir desse ano que teve o insight de realizar uma formação focada em mulheres indígenas, para que pudessem aprofundar os conhecimentos e conquistar mais autonomia para a realização de filmes. 

Assim, idealizou o projeto que estimula o protagonismo feminino e a formação das realizadoras. É aí que o ciclo começa, a partir da conquista de recursos via edital e programa de mentoria. Então, convidou Amanda para voltarem juntas à comunidade, e ofertar a capacitação que ocorreu ao longo de duas semanas. O projeto tem produção executiva de Clarissa Virmond.

"A gente queria que elas tivessem autonomia para contar suas próprias histórias. Nesse processo, pela busca do tema, as jovens indígenas celebram o valor do trabalho das anciãs da comunidade, incursionam pela cultura do povo Myky e estreitam os laços entre diferentes gerações".

Jade avalia que a formação em documentário para jovens realizadores pode ser adaptada para outras populações sub-representadas, porém, o foco agora é dar continuidade com grupos de indígenas.   

"Por exemplo, as jovens cineastas Myky podem agora multiplicar esse conhecimento. E de outro lado, estão focadas em seguir contando suas histórias. Assim, seguem nos ensinando sobre o modo de viver em harmonia com a Terra. Isso tem um valor imensurável". E Jade não vê a hora de iniciar uma nova formação. "E desta vez, com a participação de ao menos uma delas. Ao tempo em que vamos realizando novas formações, a tendência é que eu saia de cena e esse papel seja inteiramente assumido por elas".

O projeto é uma realização da Cadju Filmes, produtora de cinema de impacto de Jade Rainho, com recursos do edital Viver Cultura, do Governo de Mato Grosso via Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT) e do Move-MT, programa de aceleração realizado pela secretaria em parceria com o Oi Futuro, no qual a cineasta também teve projeto aprovado. A oficina teve ainda, apoio cultural da Assembleia Social, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Labora e MT Criativo.  

"Importante a sensibilidade do poder público em apostar em um projeto como esse. A formação de novos narradores é fundamental para contrapor o eurocentrismo dominante na narrativa audiovisual. A riqueza cultural dos povos indígenas é inestimável. Nesses processos, mais aprendo, que ensino". Segundo a cineasta, o projeto visa honrar e valorizar não só a herança ancestral, mas os talentos do presente, priorizando a autonomia criativa e identitária de jovens protagonistas.

Jade, que também é ativista pelos direitos humanos e da natureza, é diretora e roteirista dos filmes Flor Brilhante e as Cicatrizes da Pedra, O Jardim de Maria, Hermanos, Aqui Estamos, e Cacica – A Força da Mulher Xavante. 
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet