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Terça-feira, 16 de julho de 2024

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Fazenda Fontoura

CNJ determina apuração sobre reintegração de posse concedida por juiz a irmão de ex-governador

Foto: Reprodução

Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Luis Felipe Salomão

O ministro Luiz Felipe Salomão, Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determinou prazo de sessenta dias para que a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça (TJMT) apure representação apresentada pelo Ministério Público (MPE) contra o juiz da 2ª Vara da Comarca de Vila Rica, Ivan Lucio Amarante por, supostamente, ter concedido liminares atípicas e fora de sua competência sobre conflitos fundiários. 


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Conforme a 29ª Promotoria Cível de Cuiabá, Ivan teria concedido liminar de reintegração de posse em benefício a Antonio Pires Perillo, irmão do ex-governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo, contra 56 famílias que ocupavam área de 3.061 hectares na fazenda Fontoura, localizada em Vila Rica.

Salomão determinou prazo de 60 dias para que a corregedoria estadual apure constatação do MPE de que o magistrado vem atuando em processos coletivos pela posse na Comarca de Vila Rica (concedendo liminares possessórias) em possível atividade de usurpação da competência funcional da Vara Especializada em Direito Agrário sediada em Cuiabá.

O caso iniciou por ocasião da inspeção ordinária realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, entre os dias 1º de agosto a 4 de agosto de 2022. No processo em questão, foi constatada ação possessória de autoria de Antonio Pires Perillo e Adriana Vieira Rezende Perillo contra “invasores do imóvel denominado Fazenda Fontoura”.

Conforme os autos, foi informado pelo presidente da Associação dos Produtores Rurais de Agricultura Familiar da Gleba Paraíso do Fontoura que a área em litígio fora ocupada por 56 famílias, na fazenda Rancho da Mata Verde desde 2017. O local teria sido embargado judicialmente em processo penal que apura possível crime de tráfico de drogas pelo antigo dono.

Os associados, então, ocuparam o local enquanto aguardavam o desfecho do processo para futura destinação do imóvel à Reforma Agrária, com objetivo do consequente assentamento das famílias ocupantes.

Contudo, em 2021, foi alegado que os ocupantes receberam a visita de oficial de justiça portando um mandado de constatação expedido nos autos. No entanto, até o momento da representação, o advogado da associação não teria conseguido acessar o processo, mesmo com inúmeras solicitações feitas ao juízo de Vila Rica.

Nesse tocante, representou o MPE afirmando que também não fora intimado para se manifestar no processo, o que resultaria na nulidade dos autos “a partir do momento em que o Parquet deveria ter sido intimado, conforme se observa na dicção do art. 279 e parágrafo 1º, do CPC”.

Com isso, os membros da associação demonstraram o temor por decisão liminar que poderia ser proferida determinando a desocupação do local, mesmo sabendo que o juízo competente seria o da Vara de Direito Agrário em Cuiabá.

Ainda, os associados afirmaram que Antonio Pires Perillo, irmão do ex-governador, nunca teve posse ou propriedade na área em questão, e que o oficial de justiça teria dito que mais cedo ou mais tarde eles sairiam dali por força de liminar que seria deferida.

Essas declarações foram levantadas e juntadas pela promotoria na Notícia de Fato, instaurada em setembro do ano passado para investigar o caso. No entanto, ao buscar acessar os autos eletrônicos da ação, o Ministério Público se deparou com o processo tramitando em segredo de justiça. Além disso, tampouco foi intimado para se manifestar.

A liminar foi deferida em março de 2022 pelo juiz Ivan Lucio, determinando a imediata reintegração e manutenção da posse da área de 3.061 hectares, localizada no interior da Fazenda Fontoura - município de Vila Rica-MT. Na ocasião, o Ministério Público não foi instado a se manifestar.

“Assim, nota-se que a decisão liminar inaldita altera parte de 11/03/2022 foi concedida sem que o Ministério Público sequer tivesse conhecimento da demanda. Aliás, o acesso à cópia aos autos (que estranhamente foi classificado como sigiloso) só foi possível após constrangedora peregrinação feita nos corredores do Fórum por parte do órgão ministerial que oficia na Comarca. E, mesmo após a emissão da questionável decisão (no nosso modo de sentir, totalmente nula por ofender o princípio do Juízo natural), o Ministério Público sequer foi formalmente intimado do ato”, reclamou o Ministério Público ao Conselho Nacional de Justiça.

Ivan Lúcio, então, voluntariamente prestou informações ao CNJ argumentando que a existência de vara privativa – no caso a especializada em Direito Agrário de Cuiabá/MT - , instituída por lei estadual, não altera a competência territorial (da 2ª Vara da Comarca de Vila Rica) resultante das leis de processo possessório.

Além disso, sustentou que os feitos mencionados pelo Ministério Público foram remetidos à Vara Agrária da Comarca de Cuiabá, respeitando Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, e que a disputa agrária na terra em questão surgiu durante a tramitação do processo. Com isso, pleiteou pela perda de objeto do Pedido de Providências com seu respectivo arquivamento.  

Por fim, argumentou que a liminar concedida teria sido lastreada ante a constatação de não haver ocupações consolidadas no local. Essas sustentações foram rechaçadas pelo Ministério Público pela identificação da ocupação coletiva da área por meio do Boletim de Ocorrência, em que o Batalhão de Polícia Militar Ambiental promoveu fiscalização ocorrida em 16/03/2022, apenas cinco dias após a decisão liminar de reintegração de posse.

Analisando os autos e os fatos narrados tanto pelo juiz quanto pelo ministério, o ministro Luís Felipe Salomão considerou pela existência de possível interesse correicional, sendo indispensável uma análise cautelosa sobre os fatos para verificar eventual violação dos deveres funcionais pelo juiz Ivan.
  
“Ante o exposto, determino à Secretaria Processual do CNJ que encaminhe estes autos ao PjeCOR para apuração pela Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, para que apure os fatos narrados, nos termos do artigo 67 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 60 (sessenta) dias”, proferiu o ministro.  

Procurada, a assessoria da Corregedoria do TJMT afirmou que ainda não foi notificada sobre a decisão do ministro, proferida no último dia 20. 
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