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Quarta-feira, 21 de agosto de 2024

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DISPUTA EM 115 MIL HECTARES

Investigação sobre lote no Assentamento Tapurah/Itanhangá aponta possível reconcentração de terras e desmatamento

Foto: Reprodução

Investigação sobre lote no Assentamento Tapurah/Itanhangá aponta possível reconcentração de terras e desmatamento
Uma análise técnica realizada pelo Núcleo de Análise Técnica e Pericial (NATP) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) revelou indícios de irregularidades graves no uso do Lote 629, parte do Projeto de Assentamento (PA) Tapurah/Itanhangá, em Mato Grosso. O relatório sugere a necessidade de uma vistoria presencial para confirmar suspeitas de reconcentração fundiária, ausência de reserva legal e falhas na proteção ambiental.


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O estudo, conduzido pelo perito federal agrário Rodrigo de Almeida Giannini, responde a uma solicitação formal do INCRA e baseia-se em imagens de satélite e documentos oficiais, incluindo um relatório da Polícia Militar de Mato Grosso. A investigação foi motivada por um agravo de instrumento interposto contra uma decisão liminar que autorizou a reintegração de posse do INCRA sobre o lote em questão.

Segundo a análise feita com base em imagens de satélite capturadas em maio de 2024 e encomendada no âmbito deste processo, o Lote 629 é amplamente utilizado para monocultura. No entanto, ao contrário do que aponta o relatório da Polícia Militar, não foram identificadas construções no perímetro do lote. Para esclarecer essa discrepância, o relatório destaca a necessidade de uma vistoria in loco.

Além disso, foi constatada a ausência da vegetação mínima necessária para compor a Reserva Legal do lote, conforme exige a legislação ambiental. Também foi identificada uma área de preservação permanente (APP) sem a faixa protetora de nascente e córrego, outra questão que requer inspeção detalhada.

Outro ponto de destaque do relatório é a possível reconcentração fundiária. Imagens de satélite sugerem que o Lote 629 está sendo explorado de maneira contígua com lotes vizinhos, indicando um possível esquema de apropriação indevida de terras, que tem sido uma preocupação recorrente no PA Tapurah/Itanhangá.

O relatório conclui que, embora as imagens de satélite forneçam indícios importantes sobre o uso do Lote 629, a confirmação dos fatos depende de uma vistoria no local. Esta será essencial para esclarecer a presença ou ausência de construções, verificar a extensão da monocultura e avaliar o cumprimento das exigências ambientais.

A análise técnica foi encaminhada à Procuradoria Federal Especializada do INCRA, que deve utilizá-la para definir as próximas etapas da ação judicial. O INCRA mantém-se à disposição para fornecer mais subsídios técnicos conforme necessário.

Desembargador suspende reintegração

O estudo foi anexado no recurso movido pelo assentado Delvino Fiabani, o qual postulou ao Tribunal Regional Federal (TRF) a suspensão da reintegração no pedaço de terra em disputa, que, segundo sua defesa, é ocupado por famílias que subsistem dos frutos da terra.

Defesa do pequeno produtor rural ajuizou agravo de instrumento contra a decisão proferida pela primeira instância, a qual ordenou a reintegração sobre 17 lotes do assentamento, em favor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), inclusive o 629.
 
Referida ordem havia concedido prazo de 30 dias para que as famílias distribuídas em tais lotes retirassem semoventes, veículos e todos bens que estivessem no local, sob pena de que fosse declarado o perdimento do acervo, por abandono.

Delvino apontou, ao pedir a suspensão da reintegração, que o assentamento é cultivado por famílias hipossuficientes, compostas por pequenos produtores que ocupam o local, de forma mansa e pacífica, desde 1999.

Contudo, ao requerer a possessão sobre a área, cujo total é de 115 mil hectares, com capacidade para mais de mil famílias, o Incra sustentou que o local foi alvo de crimes ambientais, invasão de terras, estelionato, organização criminosa e falsidade documental, fatos que resultaram em duas operações policiais, a “Terra Prometida”, de 2010 e a “Theatrum”, de 2016.

Porém, a Polícia Federal anotou, nos relatórios dos inquéritos enviados ao Incra em 2021, que o projeto de assentamento é alvo de sistemático e articulado mecanismo de apropriação indevida de terras públicas, violência contra assentados, ameaça, expulsão e reconcentração de lotes.

Também devido a tal contexto, o Assentamento sofreu devastação ambiental, não conta com a quase totalidade da vegetação natural, em zona em que deveria conter 80% de reserva legal dentro dos imóveis rurais.

Examinando esse quadro, o juízo de primeiro grau, o qual a decisão é combatida por Delvino, entendeu que, apesar de se tratar de posse velha, o local estaria sendo ocupado de forma irregular, em afronta às normas que norteiam a reforma agrária e a preservação do meio ambiente.

Também considerou, ao autorizar a reintegração, possível agravamento das condições ambientais da área degradada, mediante a continuidade de exploração econômica do local pelos respectivos ocupantes.

Porém, em sede de outros agravos de instrumento com o mesmo teor, outros desembargadores federais concederam liminares para suspender as ordens de restituição sobre os lotes.

João Carlos Mayer Soares, desembargador da 6ª Turma do TRF, também verificou que os inquéritos policiais das duas operações não garantiram aos assentados o direito do contraditório e ampla defesa, bem como desconsiderou que as terras são ocupadas pelos pequenos produtores há muitos anos.

Desta forma, Meyer entendeu prudente manter os assentados na área, “sob pena de causar dano de difícil ou difícil reparação, por ser a desocupação medida irreversível ao pequeno produtor rural”, asseverou.

O desembargador ainda considerou que mais de mil famílias vivem no local, há anos, e que as destituir de forma abrupta causaria prejuízo mais grave do que a própria reintegração ao Incra.

Soares, então, suspendeu a restituição atendendo pedido de Delvino, em liminar deferida no dia 30 de julho. Com a ordem, garantiu a permanência das famílias que moram em imóveis na área.
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