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Debate sobre a quem se aplica a Convenção 169 da OIT marca segundo dia de seminário

25 Abr 2014 - 12:16

Secretaria de Comunicação Social/Procuradoria Geral da República

A quem se aplica a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho? A busca por respostas e por uma problematização aprofundada dessa questão marcou boa parte das discussões do segundo dia do seminário internacional sobre os 10 anos de aplicação da norma no Brasil. O evento, promovido pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reúne especialistas nacionais e internacionais, até esta sexta-feira, dia 25, no Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília.


Para a quilombola Jô Brandão, o não reconhecimento de determinados grupos como sujeitos da Convenção é um dos principais entraves na luta de povos e comunidades tradicionais pelo reconhecimento de seus direitos. A norma entende como povos tribais aqueles “cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial”. A definição é semelhante ao entendimento que o Brasil tem sobre povos e comunidades tradicionais, explícito no Decreto 6.040/2007: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.”

No entanto, conforme Jô Brandão, no país, só há dois grupos efetivamente reconhecidos como sujeitos dos direitos previstos na Convenção: indígenas e quilombolas. "E as demais comunidades tradicionais?", como ciganos, seringueiros, geraizeiros, fundo de pasto e quebradeiras de coco babaçu, questiona. "É clara uma fragilidade do Estado, que não quer reconhecer sua diversidade, que não se dispõe a pensar políticas adequadas para esses grupos”, complementa.

Juan Carlos Gamboa Martínez, defensor del pueblo na Colômbia, trouxe como exemplo a evolução das normas jurídicas no país que reconheceram a existência do povo RRom como grupo étnico. Segundo ele, impulsionado pela Convenção 169 da OIT, o processo culminou com importante sentença da Corte Constitucional colombiana a favor dos Rrom, povo cigano que chegou à América Latina na época da colonização e, atualmente, reúne cerca de 5 mil pessoas na Colômbia.

Ampliando o horizonte do debate, o antropólogo Alfredo Wagner enfatizou que a luta identitária não está, “e nem pode se pretender que esteja”, desvinculada de lutas econômicas e políticas. Nessa linha, o desembargador federal Antonio Souza Prudente defendeu um “Poder Judiciário comprometido com a defesa e as garantias dos direitos tutelados na Constituição” em detrimento de interesses econômicos, e não o contrário.

A procuradora da República Marcia Zolinger lembra que, especificamente em casos de empreendimentos em terras indígenas, o MPF tem esbarrado frequentemente em decições judiciais, sobretudo suspenções de segurança, que não favorecem a consulta prévia aos povos afetados. “Os Estados devem apoiar os interesses das comunidades, assim como apoia-lás para um desenvolvimento sustentável”, diz Prudente.

Interculturalidade como norte - Judith Salgado, professora de Direito na Universidad Andina Simón Bolívar (Equador), entende como crucial que se descubra, na América Latina, o caminho para a construção de um diálogo intercultural. “Quais são as condições prévias para isso? Principalmente, reconhecer a desigualdade de poder entre os interlocutores, o que é base para que haja um mínimo de confiança e, consequentemente, se avance”.

O procurador regional da República Daniel Sarmento defende que a diferença precisa ser valorizada e entendida como dado empírico que traz uma série de implicações normativas. “Como fazer a mediação de uma tensão tão complexa e delicada? A imposição de um direito universal a comunidades específicas, por vezes, pode minar a cultura dessas comunidades, inclusive atingindo a individualidade de cada sujeito que pertence a essa comunidade”, argumenta.

Consulta prévia – Alguns dos debatedores também retomaram a discussão sobre a consulta prévia, tema que marcou o primeiro dia do seminário. Para Carlos Marés, procurador do Estado no Paraná, o Brasil continua sistematicamente violando a Convenção 169 da OIT. Alfredo Wagner acrescentou que não se pode "pensar a Convenção 169 de forma manualesca. Já há leis, portarias e sentenças emitidas. Não procede uma discussão de qual sistemática é mais racional para permitir uma eficácia maior."

Por fim, o índigina e antropólogo Gersem Baniwa mostrou-se pessimista em relação a um avanço nas tratativas para efetivação da Convenção: “Estamos num momento não apenas de paralisia, mas de retrocesso dos direitos indígenas.” Segundo ele, a consulta é um dever moral de todos, por estar ligada ao direito fundamental da convivência. “Sem um acordo, os povos indiginas têm poucas chances de sobrevivência.”

Pluralismo jurídico – Em uma das últimas palestras do dia, Mariana Yumbay, indígena e juíza da Corte Nacional de Justiça Equador, contou como tem sido a experiência, em seu país, de coordenação e harmonização entre o sistema jurídico majoritário e os diversos sistemas jurídicos dos povos indígenas. Segundo ela, embora o Equador tenha uma sociedade diversa e plural, o fenômeno não foi “tratado adequadamente até os anos 1980.”

Desde então, no entanto, a legislação local começou a reconhecer e a garantir alguns direitos a povos indígenas. Mariana destacou, entre uma série de avanços da Constituição atual do país, a garantia de que povos indígenas possam manter sistemas jurídicos próprios, dentro de seus territórios, e que as decisões que não contrariem a própria Constituiçao e não desrespeitem os direitos humanos sejam respeitadas. Mas criticou os meios de comunicação equatorianos, que, em geral, por desconhecimento das culturas desses povos, tratam a justiça indígena como “selvagem ou retrógrada.”
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