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PRISÃO EM SEGUNDA INSTÃNCIA

STF: advogados de MT criticam prisão em segunda instância; “Não há mais Constituição que valha no Brasil”

06 Out 2016 - 14:05

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

João Cunha

João Cunha

Com votação apertada, 6x5, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão histórica nesta quarta-feira (05) ao manter o entendimento definido pela corte em fevereiro deste ano: agora um réu, vez condenado em segunda instância, já deverá começar a cumprir pena, mesmo ainda podendo ser declarado inocente. O novo entendimento visto como avanço por alguns juristas foi recebido como afronta a Constituição Federal por advogados que atuam em ações criminais em Mato Grosso. Eles ainda advertem: estamos caminhando para um Estado autoritário.


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Para os advogados Iliete Yung (que atua em ações em penais da Operação Sodoma e Seven), Francisco Faiad (que defende o deputado Romoaldo Júnior) e Mario Sá (defensor do ex-deputado José Geraldo Riva), o assunto é “gravíssimo” e a decisão do STF, “absurda”. Acreditam que o novo entendimento “rasga a Constituição”, “destrói o estado democrático de direito” e gera uma “insegurança jurídica” com consequências preocupantes. Mario Sá aprofunda, diz que o novo entendimento “mata o principio constitucional da inocência” e que “os fatos derrubarão esta decisão” que considerou “teratológica”. Ele acrescenta, “a bem da verdade é uma decisão puramente demagógica. O mundo dos fatos, o mundo real a derrubará”.
 

* Advogado Valber Melo. 

À pedido de Olhar Jurídico, o advogado Valber Melo (que atua em defesa do ex-governador Silval Barbosa, junto a Ulisses Rabaneda), traçou uma análise aprofundada da decisão. Para ele, o novo entendimento “constitui-se em um duro golpe no princípio constitucional da presunção de inocência, um enorme retrocesso em matéria de garantias constitucionais e um retumbante erro histórico, que levará, sem dúvida alguma, milhares de inocentes a cumprir pena indevidamente, além de contribuir ainda mais com o verdadeiro caos do sistema carcerário nacional, acometido pela superpopulação carcerária e pela não ressocialização”.

Ele ainda avalia que “tal posicionamento, advindo daquele que deveria ser o Guardião da Constituição vilipendia abruptamente uma garantia conquistada a duras penas, tão cara à própria sociedade”.

Ele ainda conclui. “Por mais que se procure achar respostas para decisão do STF, não se achará evolução alguma, senão verdadeiro retrocesso; que, de plano, se afigura inconstitucional, pois que, de forma arbitrária e insustentável, minorou, diminuiu, fragilizou uma cláusula pétrea”.
 

* Advogado João Cunha. Foto: Paulo Victor Fanaia.

Quem criticou o novo entendimento do STF foi o advogado João Cunha (que defende o procurador aposentado Francisco Lima Filho, em ações da Seven e da Sodoma). Para ele, trata-se de decisão “lamentável, que embaça a cidadania, rasga a presunção de inocência e a própria Constituição”.

Adiante, explica. “Lamentável que seja assim, votos dados por ministros sem apreço pelas garantias constitucionais”. Ele lembra que “a pena é a única consequência de um crime”.

No quesito consequências práticas, avalia que a partir de agora as “Cortes Estaduais assumirão o papel mais preponderante de um processo”. Ele explica o risco citando exemplo das prisões preventivas decretadas pela primeira instância (como por exemplo as de Marcel de Cursi, Silval Barbosa e outros tantos, pelo juízo da Sétima Vara Criminal) e que no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no STF foram considerados ilegais e, por isso, foram revogadas, “imagina isso em se tratando de prisão definitiva?”, questiona João Cunha. Ele ainda prevê que Cortes Internacionais deverão debater o assunto e considerar o Brasil um Estado autoritário, forçando, ainda em breve, o STF a rever seu entendimento.

“Hoje o STF é civilista, isto é, formado por ministros que vêm de uma carreira na justiça cível e, infelizmente, aplicaram uma teoria ruim”, avalia João Cunha, que dispara. “Não há mais Constituição que valha no Brasil”, ainda, diz que estamos caminhando para uma “justiça totalitarista, um Estado cada vez mais totalitário e uma lei cada vez mais cruel”. Ele conclui. “É triste, mas é a realidade, se fala muito em totalitarismo de esquerda, mas os de direta também não são bons... Nenhum totalitarismo é bom”.
 

* Presidente da OAB-MT, Leonardo Campos.

"Com extrema tristeza" a Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso (OAB-MT) afirma ver o desfecho deste julgamento emblemático. A Ordem emitiu nota nesta quinta-feira (06). Nela, lembra que a OAB "foi até a última instância contra esta medida", que considerou uma "afronta não apenas à dispositivo legal, a uma cláusula pétrea de Constituição Federal, mas sim um claro rompimento com seus princípios".

"O princípio à ampla defesa, que permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro, foi ferido de morte com tal julgamento", resumiu a OAB-MT, que acrescenta. "É para garantir a ordem social que uma república se faz à sombra de sua Constituição. É o conjunto de regras que constitui um país. Foi este mesmo conjunto de regras que estipulou a privação de liberdade - garantia constitucional dos cidadãos brasileiros - como pena máxima deste país".

A Ordem lança um questionamento e propõe uma reflexão. "Como poderá ser socorrer à Justiça o cidadão que teve, antes de tudo, seu direito à ampla defesa atacado? Tão irreversível como a prisão de um inocente para o indivíduo e sua família, é a afronta à Constituição para uma nação". E conclui afirmando que "o momento pede sim que estejamos atentos, principalmente aos nossos deveres - haja vista que a sociedade não tolera mais abusos, corrupção e impunidade -, mas sobretudo não podemos olvidar nossos direitos".
 

* Advogado Arthur Osti

O advogado Arthur Osti (que também atua em defesa de Silval Barbosa) considerou a decisão um "presente de grego". Ele cita a data desta quarta-feira (06). "No dia do aniversário da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal vilipendia o seu núcleo duro". Ele segue. "Ainda que em sede cautelar, a Suprema Corte vem se mostrando alheia ao reais prejudicados por essa decisão: A clientela anônima e esquecida do já falido sistema carcerário brasileiro que em nada se confundem com aqueles réus abastados da lava jato que foram usados como fundamento pela PGR para defender tamanha ofensa ao núcleo duro da Constituição Federal".
 

*Advogado Welder Queiroz. Foto: Acervo Pessoal.

A manifestação de lamento é compartilhada pelo advogado, professor e palestrante Welder Queiroz (leciona direito na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT). Didaticamente, ele explica que a "prisão, no curso do processo, deve ocorrer apenas em caráter excepcional, como medida acautelatória. A execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, logo após a decisão de segundo grau, afronta diversos direitos humanos e fundamentais do cidadão, como o devido processo legal, a liberdade e a não culpabilidade".

Contexto:

A revista Consultor Jurídico publicou artigo nesta quarta-feira (05) apontando que, “a julgar pela quantidade de pedidos de Habeas Corpus recebidos pelas cortes máximas em Brasília, o número de atingidos é da ordem de 50 mil pessoas por ano, que passariam a ter de aguardar presas a análise dos seus recursos. O número de réus condenados em segundo grau que hoje aguardam em liberdade o julgamento de recursos no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça é incerto, mas se todos os impetrantes de Habeas Corpus nessas cortes hoje estivessem nessa situação, os estados teriam de arcar com R$ 1,1 bilhão a mais, anualmente, com o custeio de presos”.
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