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Sexta-feira, 19 de julho de 2024

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entendimento do STJ

Defensoria consegue anular sentenças e absolver réus no TJMT em casos de busca pessoal e domiciliar ilegais

Foto: Reprodução

Defensoria consegue anular sentenças e absolver réus no TJMT em casos de busca pessoal e domiciliar ilegais
Após atuação da Defensoria Criminal de Sinop (503 km de Cuiabá), decisões recentes do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) acataram a tese de que a revista pessoal e a busca domiciliar por mera “atitude suspeita”, mesmo que resultem na apreensão de armas e drogas, por exemplo, são consideradas ilegais caso não tenham sido motivadas por “fundada suspeita”, ou seja, sem justificativa plausível para a autoridade pessoal realizar o procedimento.


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“É fato que a busca domiciliar sem mandado judicial e a revista pessoal apenas podem ser realizadas em casos autorizados por nossa legislação. Porém, apesar de essas regras sempre existirem, os abusos ocorrem com frequência, ou seja, as casas são invadidas e vasculhadas e as pessoas submetidas a revistas pessoais mesmo sem os motivos exigidos por lei. O que mudou é que essas ilegalidades estão, finalmente, sendo reconhecidas pelos Tribunais, assim como as provas que dela derivam”, afirmou a defensora Alessandra Maria Ezaki.

O entendimento tem como base a “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada” (Fruit of the Poisonous Tree Doctrine, em inglês), que estabelece que toda prova produzida em consequência de uma descoberta obtida por meios ilícitos estará contaminada.

“Se a polícia encontra a droga depois de ter feito uma revista pessoal ilegal, essa droga não pode ser considerada uma prova válida. E, para alguém ser condenado, deve haver prova da materialidade do delito, que no caso do delito de tráfico de droga é a substância entorpecente, ou seja, se a droga apreendida derivou de uma abordagem ilícita, ela também será considerada ilícita e deverá ser excluída do processo. Portanto, não haverá prova da materialidade do delito de tráfico de droga, impondo-se a absolvição do réu”, explicou a defensora, que atua na 4ª Defensoria Criminal de Sinop.

Recursos providos pelo TJ

É o caso, por exemplo do recurso de apelação interposto por T.A.B. contra sentença que a condenou à pena de seis anos e cinco meses de reclusão, em regime fechado, por tráfico de drogas.

Nas razões recursais, a Defensoria Pública sustentou que as provas foram obtidas de maneira ilegal, pois “a abordagem policial e a busca pessoal ocorreram tão somente diante da existência de uma denúncia anônima”. Por maioria de votos, a Primeira Câmara Criminal do TJMT acolheu o recurso no dia 7 de abril.

Segundo os autos do inquérito policial, no dia 18 de maio de 2021, por volta das 15h30, em Sinop, ao apurar uma denúncia anônima, policiais militares encontraram na mochila de T.A.B. oito porções de entorpecente, totalizando 96 gramas, mais R$ 459,00 em notas trocadas, além de uma balança de precisão, com resquícios de substância que posteriormente testou positivo para cocaína.

“De qualquer forma, as provas amealhadas demonstram que a diligência que
culminou na apreensão do entorpecente e dos demais apetrechos decorreu, exclusivamente, de denúncia anônima, sem agregar outros elementos que viabilizassem a ação policial”, afirmou o desembargador Orlando Perri.

Na decisão, o desembargador explica que não há, nos autos, nenhum relato sobre atos presenciados pelos policiais, nem registro de investigação prévia ou monitoramento, que pudessem amparar a informação de que a ré estaria traficando.

“Apesar de os policiais dizerem que conheciam T.A.B. de outra ocorrência, asseguraram que, daquela vez, nada de ilícito foi encontrado com ela. Não ignoro que a abordagem decorre do poder de polícia inerente à atividade do Poder Público, que, calcada na lei, tem o dever de prevenir delitos e condutas ofensivas à ordem pública. Entretanto, não há como ignorar que nada autorizava a atuação dos policiais na situação retratada nos autos”, assegurou Perri.

Diante disso, o relator acatou o recurso da Defensoria Pública e absolveu a ré do crime, voto seguido pela maioria dos desembargadores da Primeira Câmara Criminal do TJMT.

“Posto isto, provejo o recurso interposto por T.A.B. e reconheço a nulidade das provas obtidas na busca pessoal, assim como de todas as que delas decorreram e, por consequência, a absolvo do crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 111.343/2006), nos termos do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal”, decretou.

Já no caso de G.C.V., que havia sido condenado pela 4ª Vara da Comarca de Sinop a cinco anos e dez meses de prisão, pelo crime de tráfico de drogas, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação argumentando que as provas constantes dos autos seriam nulas devido à invasão ilegal do domicilio.

O desembargador Paulo da Cunha, relator do caso na Primeira Câmara Criminal do TJMT, declarou que “a violação do domicílio particular exige a presença de contexto fático prévio à invasão, que permita concluir a existência de crime no íntimo da residência, para, então, mitigar o direito à inviolabilidade do domicílio sem ordem judicial”.

Segundo os autos, os agentes policiais teriam avistado uma testemunha saindo de uma residência por volta das 2h da manhã. Ao abordá-lo, ele disse que iria trocar o celular por drogas e, diante dessa informação, ingressaram no imóvel, onde teriam encontrado dez porções de cocaína, pesando 6,6 gramas, e uma porção de maconha, de 27,4 gramas.

A própria testemunha afirmou, em juízo, que não comprou nenhum entorpecente de G.C.V., e negou ter conhecimento de que ele comercializava drogas, além de relatar que não chegou a entregar o celular ao acusado.

“Ora, a descrição fática apresentada pelos agentes policiais é pouco clara e harmônica, notadamente porque, embora afirme que a testemunha objetivava trocar o aparelho de celular por porção de droga, essa foi abordada somente após ter saído da residência, momento em que ainda estava com o aparelho. Se a intenção era trocar o aparelho por drogas, por que ainda estava com o objeto quando saiu do local?”, indagou o desembargador.

Assim sendo, o relator afirmou que a prova obtida ilicitamente não possui qualquer eficácia probatória e, portanto, não serve para legitimar os atos produzidos posteriormente.

“Diante disso, observa-se que o ato praticado pelos policiais militares revestiu-se de flagrante ilegalidade, porquanto violou a intimidade do domicílio particular, sem, contudo, a presença de mandado judicial, prévia anuência do morador ou qualquer indício de que ali estivesse sendo cometido crime permanente, ou não”, declarou.

O magistrado deixou claro que reconhecer a nulidade apontada não é incentivar a impunidade, “mas, pelo contrário, é enrijecer o Estado Democrático de Direito, assegurando as tutelas constitucionais que preservam os direitos e prerrogativas que assistem o acusado em sede processual penal, conferindo, dessa maneira, a mais alta garantia do devido processo legal, a quem quer que seja”.

Com isso, o relator absolveu G.C.V. da prática do crime de tráfico de entorpecentes, decisão que foi seguida pela maioria dos membros da Primeira Câmara Criminal do TJMT.

Nos dois casos citados, tanto o Ministério Público Estadual quanto a Procuradoria-Geral de Justiça foram contrários ao provimento dos recursos impetrados pela Defensoria Pública.

Entendimento do STJ

Ambas as decisões do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que acataram os recursos da DPMT, seguiram o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em abril deste ano, a Sexta Turma da Corte considerou ilegal a busca pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo.

No julgamento, o colegiado concedeu habeas corpus para trancar a ação penal contra um réu acusado de tráfico de drogas. Os policiais que o abordaram, e que disseram ter encontrado drogas na revista pessoal, afirmaram que ele estava em “atitude suspeita”, sem apresentar nenhuma outra justificativa para o procedimento.

Por unanimidade, os ministros consideraram que, para a realização de busca pessoal – conhecida popularmente como “baculejo”, “enquadro” ou “geral” –, é necessário que a fundada suspeita a que se refere o artigo 244 do Código de Processo Penal seja descrita de modo objetivo e justificada por indícios de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou outros objetos ilícitos, evidenciando-se a urgência para a diligência.

De acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, a suspeita assim justificada deve se relacionar, necessariamente, à probabilidade de posse de objetos ilícitos, pois a busca pessoal tem uma finalidade legal de produção de provas. De outro modo, seria dado aos agentes de segurança um “salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias baseadas em suspeição genérica”, sem relação específica com a posse de itens ilícitos.
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