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Um causo:

O dia em que Marcos Coutinho virou deputado

12 Jun 2013 - 17:52

Especial para Olhar Direto - Iago Bolívar

O dia em que Marcos Coutinho virou deputado
Coutinho. Marcos Coutinho. Já o conhecia de fama e vista, ambas agitadas, contraditórias, fascinantes. Só comecei a conhecê-lo realmente em um episódio que hoje, após sua morte, se enche de melancolia, sem deixar de ser divertido.


Era a convenção do PPS em Brasília, 2004, e uma guerra estava para ser declarada. O partido estava rachado entre os seguidores de Ciro Gomes, que queriam ficar no governo Lula, e os liderados por Roberto Freire, que preferiam a oposição. Esse jogo político nos alcançava com força porque o governador de MT e o prefeito de Cuiabá eram do partido. Tratava-se de saber se o estado estaria a favor ou contra o governo federal (e suas verbas).

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Na esperança de conseguir alguma declaração para ir esquentando a cobertura online, cheguei ao hotel da convenção uma hora antes do horário marcado. Mas, a não ser que eu quisesse entrevistar seguranças ou garçons, não haveria esquenta nenhum. Até que veio o grito: "O que você está fazendo aqui? Vamos pra reunião do PPS!". Era Coutinho, dono e repórter de site concorrente no que depois soube ser uma de suas clássicas aulas não solicitadas de jornalismo. Depois de olhar em torno e confirmar que aquele era mesmo o local da convenção, respondi que eu estava no lugar certo. "Deixa de ser bobó cheira-cheira. Blairo, Roberto França e o Ciro tão conspirando pra dar o golpe na convenção. Vem comigo."

Fui. Chegamos a outro hotel, evitamos o lobby e seguimos para uma entrada lateral, onde um segurança desses de caricatura estava em frente ao elevador. Coutinho não hesitou:

- Estou indo pro café da manhã do PPS, no terraço.
- O senhor pode se identificar?
- Deputado Marcos Coutinho.
- Claro, deputado.

Coutinho entrava no elevador e fiquei paralisado, enquanto o segurança perguntava:

- E você, quem é?
- É meu assessor, vamos!

Promovido a assessor parlamentar, cheguei com meu deputado ao terraço. Pela porta, vimos Blairo Maggi, Roberto França, Ciro Gomes, a senadora Patricia Gomes e outros "conspiradores" se referindo a Roberto Freire em termos impublicáveis (mas que Coutinho publicou).

Anotávamos tudo, espremidos atrás de uma parede, até que em uma das espiadas fomos flagrados. Maggi nos deu um berro e, enquanto éramos expulsos, Coutinho fez três perguntas e conseguiu duas respostas.

Desse dia em diante, virei um dos canalhocratas, estelionatários, bobós, que Coutinho apresentava a todo mundo, a quem dava lições ainda menos solicitadas de jazz e cinema europeu. Era um dos vários a quem ele dizia que precisavam trabalhar com ele.

Não trabalhamos juntos. Mas depois de anos fora de MT, prestei uma rápida consultoria técnica ao Olhar Direto e voltamos a ter mais contato. Sempre que vinha a São Paulo, Coutinho me ligava, pra me apresentar a melhor pizza da cidade, o melhor bar, o melhor restaurante, aparentemente esquecido de que quem vivia na cidade era eu. No restaurante, dava aula de vinho ao sommelier, ensinava ao garçon o lado correto de servir a comida, trazia o pianista para nossa mesa e lhe dava lições de jazz, chamava o dono e dizia que ia levar a taça de licor, porque estava fazendo uma coleção (não sem antes dizer que faltava isso ou aquilo no cardápio).

Na penúltima viagem dele, saímos com seu filho Joaquim, que se divertia ao meu lado em uma mesa que ia ficando cheia de gente. E o olhar dele para Coutinho era o olhar que todo pai sonharia em receber: de admiração sem temor, de verdadeira satisfação em estar ali, mesmo em meio à adolescência. Era o olhar que seus dois outros filhos, Matheus e Lucca lhe davam em meio às cobranças divertidas: "Já leu a Superinteressante, já leu a Veja?".

Este não é um texto jornalístico. Não tem outro lado. Como eu, como você, Coutinho era humano, suas qualidades muitas vezes eram seus próprios defeitos. Mas tudo isso está marcado na superfície do tempo, agora. O que o distinguia era sua personalidade única, espontânea, autocentrada, generosa, colérica. Contraditória com frequência: o dono de site que não lia e-mail, o editor que não gostava de reunião, o cuiabano que falava em cuiabanês e ria do provincianismo. Um edifício que se mantinha em pé, conforme me disse mais de uma vez, pelo carinho, amizade e apoio de sua mulher, Izabel.

O que dá algum conforto nessa partida tão precipitada é que ele deixou pra trás o que tanto valorizava: grandes histórias. E, se existe um céu desses de cartoon, com São Pedro na porta, e se seu nome não estiver na lista, ele vai dizer que é São Marcos Coutinho, e São Pedro vai deixá-lo entrar. Não por acreditar na santidade, mas por saber que o paraíso deve ser daqueles que viveram com paixão.

Obrigado, meu amigo.

Iago Bolívar é Jornalista
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