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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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Artigo: Honorários Advocatícios – limites

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso, na vanguarda da advocacia brasileira, criou a Comissão de Defesa dos Honorários Advocatícios, da qual tenho a honra de ser o Presidente, razão pela qual não poderia deixar de me manifestar sobre a notícia veiculada na internet de que o Ministério Público fez recomendações a advogados que militam na Cidade de Sinop, no sentido de que os mesmos devem respeitar o limite máximo de 30% (trinta por cento) na cobrança dos honorários, isso, somando-se os honorários de sucumbência e o contratual.[1]

Ledo engano, seja por conta da errônea conclusão a que se chega quando delimita como sendo 30% (trinta por cento), o limite de cobrança dos honorários (especialmente se somados os honorários contratuais e os de sucumbência), seja por que o MP se imiscuí em uma seara que não é de sua competência, sendo certo que a Seccional da OAB/MT está tomando todas as medidas administrativas e judiciais no sentido de trancar esse Inquérito Civil.

Não há critérios definitivos que possam delimitar a fixação dos honorários advocatícios, porque flutuam em função de vários fatores, alguns de forte densidade subjetiva, tais como o prestígio profissional, a qualificação, a reputação na comunidade, o tempo de experiência, a titulação acadêmica, a dificuldade da matéria, os recursos do cliente, o valor da demanda, etc.[2]

Não é demais lembrar que os honorários advocatícios tem natureza alimentícia. Nesse sentido o Magistério de Cassio Scarpinella Bueno:

“Dentro desse contexto, por serem os honorários a forma, por excelência, de remuneração pelo trabalho desenvolvido pelo advogado, um trabalho humano que merece a tutela do ordenamento jurídico, correta sua qualificação como verba de natureza alimentar, eis que também vitais ao desenvolvimento e à manutenção (necessarium vitae) do profissional, do qual o advogado provê o seu sustento.[3]
A natureza alimentícia dos honorários advocatícios está acobertada por recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA - ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A definição contida no § 1-A do artigo 100 da Constituição Federal, de crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - NATUREZA - EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a Emenda Constitucional n. 30, de 2000.[4]

No voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio depreende-se:
“A Corte de origem teve como exaustiva a definição de crédito de natureza alimentícia constante do art. 100, § 1º-A, da Constituição Federal, apenas tomando sob tal ângulo salário, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenização por morte ou invalidez, fundada na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. O enfoque não merece subsistir. Se por um aspecto verifica-se explicitação do que se entende como crédito de natureza alimentícia, por outro, cabe concluir pelo caráter simplesmente exemplificativo do preceito. É que há de prevalecer a regra básica da cabeça do art. 100 e, nesse sentido, constata-se a alusão ao gênero crédito de natureza alimentícia. O preceito remete necessariamente ao objeto, em si, do crédito alimentar visado. Ora, salários e vencimentos dizem respeito a relações jurídicas específicas e ao lado destas tem-se a revelada pelo vínculo liberal. Os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários, e a finalidade destes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias.[5]

Portanto, pacífico é o entendimento de que os honorários advocatícios tem natureza alimentar.

O Conselho Federal, em decisões sobre o tema tem padronizado o entendimento de que os honorários advocatícios contratuais (aqueles firmados por contrato entre advogado e cliente) podem ser fixados até o patamar de 30% (trinta por cento), excluídos aí os honorários de sucumbência, vez que estes, por força do artigo 23, do Estatuto da Advocacia, pertencem ao Advogado. Vejamos alguns julgados:

“RECURSO Nº 0423/2006/SCA - 1ª Turma. Recorrente: A.S.C.J. (Advogada: Adriane Santana da Costa Julio OAB/SC 12.873). Recorridos: Conselho Seccional da OAB/Santa Catarina e Alvacir Nunes Alves. Relator: Conselheiro Federal Valmir Pontes Filho (CE). EMENTA Nº 030/2007/1ªT-SCA. Honorários quota litis, previsto no patamar de 50% do que for recebido, a título de atrasado, pelo cliente. Contrato de risco, com as despesas processuais pagas pelo advogado. Trabalho prestado com zelo e boa técnica. Existência de outras vantagens pecuniárias, inclusive de natureza vitalícia, a serem por este percebidas. Inexistência de honorários sucumbenciais. Inocorrência de abusividade e, portanto, de ofensa ao art. 38, caput, do EAOAB. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Conselheiros Federais integrantes da 1ª Turma da Segunda Câmara, por unanimidade, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento nos termos do voto do relator. Brasília, 18 de junho de 2007. Reginaldo Santos Furtado. Presidente da 1ª Turma da Segunda Câmara. Valmir Pontes Filho. Relator.” (DJ, 11.07.2007, p. 223/224, S.1)

“Processo 341/2001/OEP. Origem: Conselho Seccional da OAB/Rio de Janeiro, Processo 11.298/1998. Conselho Federal da OAB, Processo 228/2001/SCA. Assunto: Recurso contra decisão de fls. 573/576. Recorrente: Ney Luiz de Moura (advs.: Felizumir Dias Ribeiro OAB/RJ 50916, Pedro Ivo Freire Rostey OAB/RJ, Paulo Tavares Lemos OAB/DF 4657 e André Alexandre Tavares Lemos OAB/DF 13625). Recorridos: F. L. C. (adv.: Fernando Lúcio Carneiro OAB/RJ 65.498) e Conselho Seccional da OAB/Rio de Janeiro. Relator: Conselheiro Federal Ímero Devens (ES). Ementa 04/2005/OEP. Honorários advocatícios. Questão ética. Questionamento do recorrente sobre exarcebação do montante cobrado pelo advogado no montante de 20% e sucumbência de 10% pago pelo vencido em procedimento judicial do qual o recorrido foi patrono. Prova testemunhal do pacto informal que se considera eficaz. Inocorrência de cobrança de 30% de verba honorária, porque os de natureza sucumbencial são de titularidade do advogado (art. 23 do EOAB). Procedimento irregular questionado, por infração ao art. 35, do Código de Ética, somente suscitado pelo Recorrente em sede recursal para este Egrégio Órgão Especial. Fato superveniente que não se vislumbra. Recurso que se conhece em parte para se lhe negar provimento. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros integrantes do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, à unanimidade, em acolher o voto do Relator, parte integrante deste, no sentido de conhecer parcialmente do Recurso, mas negar-lhe provimento.” (Brasília, 14 de março de 2005. Aristoteles Atheniense, Presidente. Ímero Devens, Conselheiro Relator. DJ, 18.03.2005, p. 747/748, S 1).

Em sendo assim, de fácil constatação que os honorários advocatícios recebidos podem ultrapassar o limite costumeiro de 30% (trinta por cento), na medida em que, se foram contratados pelo Advogado e cliente nesse patamar, a sucumbência irá se somar a essa porcentagem.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região enfrentou a matéria e definiu que, naquele caso concreto, a porcentagem contratada de honorários advocatícios -que foi de 40% (quarenta por cento)-, é perfeitamente legal, verbis: “...o percentual fixado contratualmente entre as partes não ofende o disposto nos arts. 36 e 38 do Código de Ética e Disciplina da OAB, porquanto não pode ser considerado imoderado.” (TRF4, Agravo de Instrumento n. 2007.04.00.041941-8, Quinta Turma, Relator Des. Federal Celso Kipper, DJ 15-01-2008).

Os casos que geraram a recomendação do Ministério Público na Cidade de Sinop, segundo a notícia veiculada[6], dizem respeito às ações patrocinadas junto ao INSS. Pois bem, essas são as situações em que o Advogado “banca” a ação, ou seja, assume todas as despesas para receber, se exitosa a demanda, no futuro.

Nesses casos é perfeitamente plausível e aceito que os honorários advocatícios contratuais sejam fixados no patamar de 30% (trinta por cento), aos quais irá se somar o valor dos honorários de sucumbência, e, por consequência lógica, podem ultrapassar o “limite” de 30% (trinta por cento), tendo sempre em mente que, por força do art. 23, do EOAB, os honorários de sucumbência são do advogado, não se misturando com os valores percebidos pelo cliente.

Os Honorários sucumbenciais existem porque um advogado trabalhou pela vitória de seu cliente. O Magistrado, quando o fixa, não está “prestando um favor” ao advogado, ou sendo “benevolente” - está concedendo um direito que é daquele profissional, cujo trabalho rendeu frutos.

Na verdade está sendo reconhecido o que na prática é costume antigo e consagrado, não só no Brasil, mas também em outros países, sendo muito comum nos EUA, o chamado pacto de quota litis, ou ad exitum e, ainda, contrato cotalício ou contrato de risco[7].
Por, fim, vale finalizar com uma uma estória bem interessante: o renomado jurista Rui Barbosa, por volta do ano de 1874, foi contratado por uma empresa chamada ‘Meurom & Cia’, que negociava rapé e estava sofrendo grandes prejuízos com a concorrência desleal. Rui patrocinou a causa e recebeu a quantia (vultosa, à época) de quatro contos de réis. Isso causou um burburinho enorme, de forma que ele se viu obrigado a escrever um artigo onde defendia a remuneração recebida. Rui era um maestro das palavras:

“Acabemos de uma vez por todas com isso. Hão de fazer-nos o favor de dizer – que pode influir sobre o merecimento da questão a maior ou menor riqueza do queixoso, a remuneração mais ou menos liberal do advogado que o representa? Temos, ao que parece, chegado a uma conjuntura em que o rico não pode mais exercer direitos. Já o médico não terá mais jus a ser recompensado com generosa largueza pelos homens de fortuna, para poder consagrar a maior parte do seu tempo ao curativo gratuito dos indigentes. Já o literato não pode mais viver senão dia por dia, não pode mais requerer, a troco do gênio despendido, da vida pouco e pouco exaurida, senão o pão escasso da pobreza remediada. Já o maior ou menor estudo e talento mais ou menos notável do que trabalha, as forças maiores ou menores do que paga não podem mais figurar um cálculo razoável para a retribuição de serviços intelectuais. Médico, entraste o soalheiro opulente? Estás alugado, Advogado, aceitastes a causa do rico? Pois vendeste-te. Em que terra estamos nós que isto se escreve? Ubinam gentium…? Pois a Bahia é uma aldeia? O articulista não sabe que até os Evangelistas reconheciam aos mesmos propagadores da fé o direito à subsistência, que não é paga, mas reconhecimento de serviços prestados? Não sabe que nas páginas da Escritura está que não há trabalho sem mercê? Debet in spe, qui arat arare, dizia São Paulo. O que lavra deve lavrar com esperança. Qui militat sus stipendis unquam? Qui plantat vineam et de fructu ejus non comedit? Quem jamais vai à guerra à sua custa? Quem planta uma vinha e não come o fruto? E se o sacerdócio, se a profissão que está mais perto do céu, não desdiz da sua missão, da sua pureza, da sua origem, da intervenção altíssima que representa na terra quando aceita o sinal de um trabalho que não tem preço, onde vão agora os falsificadores arvorados em moralistas, munia censoria usurpans, na frase de Tácito, buscar essa lei nova que quer converter a advocacia em servidão à glória? Isso tudo não nos fere a nós somente, fere a classe toda da advocacia, fere a todas as profissões liberais do mundo. Estamos certos de que não responderemos a um advogado, porque então maior seria a indignidade de provocador. Mas se o articulista pertence a esta ultima classe, queira aceitar nossos parabéns; tem-nos honrado muito.” (Coletânea Literária, São Paulo, Cia Editora Nacional)[8]” (grifamos).

Adriano Carrelo Silva
Presidente da Comissão de Defesa dos Honorários da OAB/MT

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