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Domingo, 28 de abril de 2024

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Medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade. Liberdade assistida e internação

Rosarinha Bastos/Reprodução

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) foi uma das grandes conquistas da população, que firma os direitos da infância e da juventude no Brasil e dá concretude aos parâmetros estabelecidos no artigo 227 da Carta Magna. Entretanto é errôneo considerar essas conquistas como sendo uma ação consolidada do processo de participação da sociedade. As condições de extrema pobreza e miserabilidade por que passa grande parte da população – causada pelos ajustes econômicos do governo – gerando desemprego e exclusão, limitam e desmotivam a participação cidadã que é fruto do nascimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse sentido, abordaremos a questão referente às crianças e adolescentes em conflito com a lei (1) - situação de risco social e pessoal - e as intervenções que seriam necessárias a fim de que as mesmas tivessem os seus direitos e garantias fundamentais (emanados pela Constituição Federal de 1988) preservados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza em seu artigo 87 que, dentre outras, são linhas de ação da política de atendimento: políticas sociais básicas e proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

A Política de Garantia de Direitos destina-se às crianças e adolescentes em situações onde existem conflitos de natureza jurídica, no caso em tela, abordaremos as situações envolvendo crianças e adolescentes em conflito com a lei. E, de acordo com o mandamus legal, as crianças recebem Medidas de Proteção e os adolescentes, Medidas Sócio-Educativas e/ou de Proteção. Abordaremos os problemas pelos quais passam os adolescentes que recebem Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto (Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida), e de Internação.

Com relação às Medidas em Meio Aberto, entendemos que a plena realização desse programa está vinculada diretamente com o comprometimento dos Juízos da Infância e Juventude e, sobretudo com o Município a quem cabe o dever de implementá-las. Não se esquecendo, porém, de que as Parcerias com órgãos não-governamentais é saudável e, sem dúvida, a sociedade civil bem como as comunidades, trabalham essa questão com muito mais comprometimento.

As Medidas de Prestação de Serviços à Comunidade e de Liberdade Assistida têm se revelado as mais eficazes e eficientes das medidas propostas pela lei (2) . Entretanto, em nosso Município (Cuiabá/MT), deixa a desejar vez que as pessoas selecionadas para esse trabalho, além de não ter comprometimento, não têm habilidade para desempenhar essas funções.

No entender da Dra. Lilia Alves Ferreira (3): Para se trabalhar as questões inerentes à infância e juventude, há que se adotar o olhar de S. João Bosco.
É do conhecimento de todos (da área), que o encaminhamento dos adolescentes para o cumprimento dessas Medidas - normalmente aplicadas em conjunto -, se dá após o devido processo legal, e, por se tratar de pessoas em peculiar desenvolvimento, é necessário que as Entidades que irão recebê-los tenham discrição, entendimento e, sobretudo consciência de que – inobstante o ato infracional cometido – são pessoas passíveis de serem (re) educadas, ressalvadas as exceções às regras.

No nosso entendimento, tanto a Prestação de Serviço à Comunidade como a Liberdade Assistida têm singular valor, vez que esses adolescentes podem permanecer em sua comunidade e, trabalhar (ainda mais) o vínculo afetivo familiar (4).

Para tanto, ressaltamos que grande parte do sucesso das Medidas é do “Orientador Voluntário (5) até porque – segundo se observou - quando esse “Orientador” é agente público não se tem o mesmo êxito nos resultados.

Com relação à Medida de Internação, insta asseverar que, esses adolescentes ao ficarem sob a tutela do governo, têm todos os seus direitos e garantias fundamentais (des) respeitados, dentre eles, o direito de ser conduzido à uma Delegacia Especializada, de se apresentar a uma Promotoria da Vara da Infância (Políticas de Garantia de Direitos) e, direito à Educação, este, da seara da Política Social Básica. E, ainda, necessário se faz que a passagem pelo Centro de Internação Provisória – CA – jamais excedesse os 45 dias preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (art.108)

Em nosso Estado – Mato Grosso -, encontramos Delegacias Especializadas apenas nas Comarcas de Cuiabá, Várzea-Grande, Cáceres, Rondonópolis e Barra do Garças. As Varas Especializadas existem apenas nas Comarcas de Cuiabá (duas: civil e criminal), Várzea-Grande (uma) e Diamantino (uma). Com relação às Defensorias Públicas, no Estado existem 53, porém, apenas na Comarca de Cuiabá tem a Especializada na área da infância, de igual forma se dá com as Promotorias.

Ressaltamos que as Especializadas só existem com relação às Varas Civis e Criminal, esta última que executam as medidas sócio-educativas. Àquela que trata das crianças e adolescentes em risco pessoal e social. Com relação à defesa e garantia dos direitos da população infanto-juvenil, temos apenas a DEDICA (Delegacia Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente). A ausência do Juízo e da Promotoria Especializada, lesa a criança e o adolescente nos seus direitos e garantias fundamentais.

Nesse diapasão, os adolescentes do interior que ao serem apreendidos por acometimento de Ato Infracional cuja Medida é a Internação, têm que ser transferidos para Cuiabá e, claro, o Sistema não comporta e não suporta o inchaço, culminando com as rebeliões, atentados, morte, (6) etc.

E, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente: É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.(7) E, inobstante o preceito legal, esses adolescentes têm outros direitos violados, tais como: atendimento personalizado, ambiente de respeito e dignidade, preservação dos vínculos familiares, instalações físicas em condições de habitabilidade, atividades culturais, lazer e, principalmente a ausência de Educação Básica, com a conseqüente dificuldade de acesso à rede escolar, quando postos em liberdade. Vale dizer que, o compromisso maior do Estado é (re) educar esses adolescentes para sua (re) inserção na comunidade, sociedade em que sempre viveu.

O governo não implementa uma Política abrangente a fim de garantir a defesa jurídico-social dos direitos individuais e coletivos da população infanto-juvenil, tais como: plantões de defesa, assistência jurídica, etc., que, a princípio, devem estar entrelaçados com os programas derivados das Políticas Sociais Básicas, que são universais (educação, saúde, profissionalização, etc.). Isso, sem olvidarmos o preceituado no artigo 7º da lei em comento que diz: A criança e o adolescente têm direito (...), mediante a efetivação de políticas sociais básicas.
A educação é um dos direitos elementares na vida de uma pessoa, e, sendo direito público subjetivo do cidadão, o adolescente não pode ficar alijado desta política universal, vez que são sujeitos de direito em pleno desenvolvimento físico, psíquico, moral (condição peculiar). Segundo informações colhidas no Sistema de Educação, um dos obstáculos para se implementar o Ensino Básico nas Internações seria a Matriz Curricular que ao ser elaborada, não atende essa “clientela” em específico. Os adolescentes Internos recebem o ensino formal sem a devida formatação que atenda à realidade dos mesmos. Mister se faz a construção de um projeto pedagógico eficaz na promoção desses adolescentes.

As escolas públicas devem ser mobilizadas no sentido de aceitarem esses adolescentes quando de sua soltura. Elaborar projetos em que se reconheça o nível de aprendizagem em que se encontram e buscar uma intervenção de aceitação dos mesmos, garantindo-lhes a permanência e o sucesso nas séries posteriores. Sem estigmas!!!

As Políticas de Atendimento devem se articular em todos os níveis, quanto mais abrangentes forem as políticas sociais básicas, menor será o número de crianças e adolescentes encaminhados para as políticas de assistência social, proteção especial e de garantia de direitos.

Não podemos olvidar que a trajetória é longa e o empenho na construção de modelos assertivos é grande, aliados a uma rede de profissionais e agentes solidários que acreditam na ética e dignidade como características principais que farão a nova história.Falta apenas vontade política de fazer com que a prioridade absoluta garantida às crianças e adolescentes deixe de ser letra morta na nossa Carta Cidadã e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
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* Rosarinha Bastos é presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB/MT. Especialista nas áreas de Família, Criança e Adolescente e Direito Público. Membro da Comissão Especial dos Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso - CECAI - Conselho Federal da OAB.

(1) Essa é uma das nossas áreas de atuação no exercício da advocacia e, sentimos, diariamente, a ausência de Políticas, eficazes, no sentido de garantir os direitos fundamentais básicos dessa população infanto-juvenil.
(2) De 2002 a 2006, trabalhamos essas Medidas na Pastoral do Menor – Regional Oeste/MT. Fruto de uma Parceria entre a CNBB e a Pastoral do Menor. Desses adolescentes assistidos, apenas 4% (quatro) voltaram a cometer Ato Infracional. Terminada Parceria passamos essa responsabilidade (que é do Município), para o Município.
(3) Procuradora aposentada do Ministério Público/MT. Ícone na defesa dos direitos da criança e do adolescente em nosso Estado.
(4) Direito Fundamental e peculiar à população infanto-juvenil (artigo 16, V, ECA).
(5) Nas Medidas trabalhadas na Pastoral do Menor, os Orientadores eram Voluntários.
(6) No ano de 2004 tivemos mais de 07 adolescentes mortos dentro do Sistema Sócio-Educativo de Internação (Cuiabá/MT).
(7) ECA. Art. 125.

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