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Sábado, 27 de abril de 2024

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Os bens essenciais da empresa em recuperação judicial

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A Recuperação Judicial, prevista na Lei nº 11101/2005 tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, conforme disposto do artigo 47 da mesma lei. Pois bem, ao requerer a recuperação judicial, a empresa deve demonstrar sua grave crise econômico-financeira para ter as benesses insculpidas na lei, descrevendo todo sua dívida, elencando quais são seus credores, sejam trabalhistas, fornecedores e bancos para chegar na segunda fase do processo onde se apresenta o plano de recuperação judicial que demonstra como a empresa recuperanda irá pagar seus credores, tudo em conformidade com a Lei nº 11101/2005.

Atualmente, com a grande facilidade de obtenção de crédito junto aos bancos, seja para adquirir capital de giro, maquinários e veículos (sejam carros ou caminhões), as empresas estão recorrendo aos bancos para conseguir a aquisição de referidos bens, com taxas aparentemente atrativas e longos prazos para pagamento, sendo que aí nasce o problema de todas as empresas que ajuízam a recuperação judicial para conseguir reestruturar sua empresa. Os bancos e as instituições financeiras utilizam a modalidade de contrato para financiar imóveis, maquinários e veículos as modalidades de Leasing e Alienação Fiduciária, onde é disponibilizado a quantia para a compra do bem, mas o referido bem fica em garantia no contrato, caso a empresa vem a inadimpli-lo, o banco retoma a propriedade do bem, continuando a executar o restante da dívida em face da empresa.

Contudo, muito embora o escopo da Lei de Recuperação Judicial seja a preservação da empresa e o objetivo a superação da crise econômico-financeira, na época que lei de recuperação judicial ainda era um projeto de lei, a FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) agiu junto aos deputados e senadores de forma a introduzir na redação da norma exceção que tem o condão único e específico de blindar seus créditos, pois a Lei de Recuperação em um primeiro momento torna todas as dívidas inexigíveis e num segundo estágio, quando é apresentado o plano de recuperação, quase que impõe aos credores à concordância da forma de perceber seu crédito, atendendo à pressão, para não ser deselegante e dizer que foram seduzidos, restou introduzido no artigo 49, o §3° que retira os contratos de alienação fiduciária.

À vista da referida inserção, os contratos bancários, todos de adesão, sofreram significas modificações no que concerne às garantias, tendo sido desprezados os institutos tradicionais como a hipoteca e o penhor, para dar lugar à alienação fiduciária, assim, caso a empresa em recuperação judicial só tenha financiamentos bancários com essa modalidade, a sua recuperação fica inviável, pelo fato desses contratos não serem submetidos aos efeitos da recuperação judicial.

Com efeito, independentemente das disposições do mesmo artigo onde se fala que os bens essenciais não podem ser retirados da empresa pelo prazo do artigo 6º, parágrafo 4º (180 dias), nada adiantaria para a empresa em recuperação judicial. Citamos um exemplo prático: uma transportadora de cargas terrestres que está passando dificuldades financeiras, cuja sua principal atividade seja o transporte rodoviário, cujo parte de seu patrimônio sejam dez caminhões, sendo que os mesmos caminhões são financiados por um determinado banco com contratos na modalidade de alienação fiduciária, não poderia entrar em processo de recuperação judicial, haja vista a vedação da própria lei?
Atendendo a esse apelo dos empresários, o Superior Tribunal de Justiça (Tribunal da Cidadania) e alguns outros Tribunais Estaduais vêm se mostrando sensível à necessidade de se preservar o ente empresarial, flexibilizou a regra contida no artigo 49, § 3º da LRJ, onde no julgamento do Conflito de Competência nº 110.392-SP, o Ministro Raul Araújo decidiu que com relação aos bens essenciais, mormente quanto à sede da empresa ou maquinários e veículos, não podem ser retirados de sua posse durante toda a recuperação judicial, disto decorre que os contratos de alienação fiduciária, até para que possam ser honrados, precisam constar da lista de credores final, submetida ao plano de recuperação judicial.

Conclui-se que excepcionalmente a Lei de Recuperação Judicial veda a inclusão dos contratos de alienação fiduciária na recuperação judicial, a jurisprudência vem flexibilizando a regra contida na lei, permitindo que os bens que são essenciais para atividade da empresa fique em sua posse, em homenagem ao princípio da preservação da empresa contido na Constituição Federal.

Enio Medeiros é advogado tributarista e especialista em recuperação judicial- Mattiuzo e Melo Oliveira Advogados
enio@mmo.adv.br
www.mmo.adv.br

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